Crítica | Florence + The Machine, “Dance Fever”

O novo álbum de Florence + The Machine é tão majestoso quanto pode ser considerado autêntico

Para quem um dia já teve o prazer de estar presente em algum show da Florence + The Machine, banda da majestosa Florence Welch, sabe que a dança é um dos elementos mais importantes para a vocalista em palco. Para ela, a dança vai muito além de uma alegoria cenográfica. É um movimeto que unifica tudo ali naquele momento.

Há muito tempo se diz que a dança tem poder curativo, proporciona salvação e conta histórias de esperança e transformação. A relação de Florence com a dança aconteceu em 2014, quando iniciou um processo pessoal e difícil de sobriedade. Métodos aprendidos a ajudaram e renovaram sua visão como artista, fazendo com que, a cada ano que passa desde então, possamos presenciar uma melhora signifcativa — e diria até que aperfeiçoada — de suas técnicas. Seus shows energizam e elevam qualquer um que possa se sentir pertencentes no ali e agora.

O quinto álbum de Welch e sua banda, Dance Fever, consegue expandir todo seu trabalho mencionado. Nele, temos 14 faixas que refletem um novo senso de determinação, algo parecido com o que vimos em Lungs (2009). O projeto apresenta canções embaladas por um espírito completamente revigorado em um pop poderoso, que flerta sem receios com emoções afloradas, intensas e muito nostálgicas.

Dance Fever não foi construído apenas como uma grande ode à dança, paixão que se intensificou quando Welch se deparou com o conceito de Coreomania durante suas leituras da pandemia. Conhecida historicamente por ser um ritual de dança que beirava à exaustão, onde um dos casos mais famosos levou aproximadamente 400 mulheres a dançar até a morte em meio a rituais, música e o ápice emocional no período da idade média. As leituras da cantora sobre esse ritual impulsionou o nascimento desse novo projeto.  

Para Welch, a realidade de ser uma estrela pop ainda é claramente surreal, e as músicas de ‘Dance Fever’ estão cheias de admissões e toques pessoais sobre isso, antes quando eram trazidas com referências mitológicas, como em “How Big, How Blue, How Beautiful” (2015) com um álbum conceitual sobre um coven de bruxas – a realidade apresentada neste novo álbum é profundamente mais intensa e clara.

As músicas desse projeto evidenciam questões de amor e como ele consegue ser vulnerável e poderoso em suas peculiaridades, mas em grande parte, fala de uma recuperação pessoal. Seus desejos estão estampados, assim como conflitos internos, em ‘King’. No primeiro single do disco Florence canta sobre uma antiga vontade de ser mãe; “But a woman is a changeling / Always shifting shape”; em ‘Heaven Is Here’ ela diz que apesar de ter uma vida na música e que isso a faz transcender o tempo, em alguns momentos se sente presa, ou até mesmo claustrofóbica; “And every song I wrote/ Became an escape rope/ Tied around my neck/ To pull me up to heaven”.

Em ‘Girls Against God’ toda aquela raiva reprimida que todos nós sentimos durante a pandemia é representada com uma confusão intensa de músicas folclóricas ao fundo com uma letra igualmente furiosa. Jack Antonoff deixou sua impressão digital em ‘Dance Fever’, embora não tão descarado como em ‘Solar Power’ da Lorde ou ‘Blue Banisters’ da Lana del Rey.

Assim como em outras faixas do álbum, Florence explora seu talento e criatividade de maneira diferente da que seu público está acostumado, surpreende e inicialmente espanta, ainda mais por ter sido a primeira faixa lançada, mas quem teve paciência para esperar o disco inteiro pôde sentir a genialidade que é o Dance Fever.

O álbum entrega uma narrativa sentimental e sincera de forma completa. As letras e ritmos das diferentes faixas, fazem sentido como um todo e interagem entre si de maneira essencial para o entendimento do conjunto da obra. O que antes “King” nos deixava receosos sobre a grandiosidade do futuro lançamento, agora com a sequência completa temos o que de fato significa um trabalho meticulosamente pensado e conexo.

Equilibrando uma trilha sonora dramática com emoção sincera, Florence + the Machine se consagra como um dos maiores nomes da música atual, apresentando um dos seus trabalhos mais bonitos. Welch nos convida para seu mais febril sonho, uma festa de dança para liberar seus demônios, envoltos de um feitiço liricamente bonito e musicalmente capitulado.

O novo álbum de Florence + The Machine traz consigo um traço autêntico e majestoso, características que Florence sempre almejou em qisuqer trabalho em que tocasse. O disco e a própria vocalista possuem autoconsciência de si e são brutalmente honestos com suas próprias personas. Dança versus ansiedade, uma garota contra Deus, uma desistente do amor: Florence tece poesia, palavras faladas e vocais inconfundíveis que se estruturam sem qualquer esforço. A bateria retumbante é mais uma vez sua aliada e eleva os crescimentos musicais dentro das faixas de Dance Fever a um nível verdadeiramente eufórico.

Nota: 92/100

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