Crítica | Perfume Genius, “Ugly Season”

Trilha sonora de uma peça lançada em 2019 que contou com Genius, o álbum é o suco mais forte do ode experimental do artista

A capa do Ugly Season, sexto disco de estúdio de Perfume Genius, concentra muitas linhas de imaginação. Dá para tentar decifrar brevemente o que o projeto em si é, ou tenta ser. Traçando uma forma inominável sob pinceladas de prováveis tinta a óleo, a imagem é uma das mais bonitas do ano.

Resumindo com curvas e “imperfeições” o estreito caminho que a obra de Mike Hadreas busca singularizar, a falta de precisão resulta aqui, no perfeito. Tudo feito com jogadas de mão quase desleixadas pelas redondezas. Mas que resultam num formato esbelto que mostra rosto, busto e ombros com precisão.

Do outro lado da ponte, sonoramente o álbum encontra outra definição: a do oposto. As 10 canções que serviram de trilha sonora para a peça de dança “The Sun Still Burns Here”, de 2019, e que teve Genius encenando, funciona como entender o que é arte ao avesso. Cada sinfonia é marcada por um compasso rítmico que dispensa o total uso de palavras. Sempre montando um arquétipo próprio para a melhor definição de um momento que ecoa como um filme.

Não é preciso batidas expressivas (não que isso seja algo ruim) para nos fazer dançar e sentir eufóricos. O artista trabalha a ideia visceral do que é fornecer e ser a arte e música justamente com a ternura, o silêncio que um som emana, a poesia em contemplar. Ao desenhar o oposto, Genius vai longe no momento que nos persuade com o contrário do que possa definir uma música como arte, ou uma arte como arte.

Muito das vibrações que estavam implementadas dentro do Set My Heart On Fire Immediatly nasceram primeiro em um outro espetáculo, esse aqui. É como assistir a uma obra instrumental do álbum anterior, só que mais expandida e descomprimindo por todo os lados mais uma vez canções para o coração, alma e corpo. Para as linhas que exercem as nossas funções motoras.

“Pop Song” que incrementa a tracklist, mas que foi compartilhada no ano da peça, assim como “Eye On The Wall”, é um sopro quente no rosto. Em síntese, a faixa soa como a renascença de um sentimento, onde todos os batimentos do seu coração, sintonias, harmonias, teclas de piano e breves sintetizadores contam histórias que nem mesmo mil palavras poderiam contar.

No piano despreocupado de “Cenote”, que encerra o álbum, somos ligados a um puro ritual de dança. Mesmo que não traga sons distintos dos vistos nas faixas anteriores, é a mesma coisa que um cântico cinematográfico que se escuta quando se está emergindo na água em slow-motion.

“Photograph” e a faixa título são talvez os momentos mais lúcidos de marcas padrões de composição de uma canção; as duas usam bastante dos vocais, mas em mesma quantidade coloca de maneira exemplar instrumentos e um coral belíssimo. A segunda bebe do reggae e cria um compasso poderoso sob o ouvinte.

Definitivamente é bom tentar enxergar pelos muitos olhos do Ugly Season. Ao reparar as principais revoluções do projeto, dá para captar o seu destino final. O disco não é pra ser consumido exatamente com a proposta do anterior, é mais pra digerir conforme se entende que é uma peça estritamente artística para um espetáculo provavelmente três vezes mais experimental que qualquer outra obra musical do artista.

Nota: 80/100

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