Crítica | Arcade Fire, “WE”

Arcade Fire retorna depois de 5 anos com um novo álbum de inéditas e brutamente chamado de clássico.

Desde 2004, quando os membros da banda beiravam os 20 anos, Arcade Fire foi construída em cima de sentimentos brutos. No álbum de estreia, Funeral, lançado no mesmo ano, eles trouxeram uma perspectiva sobre morte e envelhecimento, cidade natal, sobre aquela idade onde nossas vidas passam por uma situação frágil e complexa, o auge dos 20 e poucos, quando estamos numa linha tênue entre o final de uma infância e o começo de uma vida adulta e como tudo nesse período se torna dramático e, às vezes, irreversível. Tudo isso é muito bem imposto em todas as músicas presentes no projeto.

No ano de estreia, Arcade Fire ainda estava se descobrindo como banda e entendendo como queriam ser enxergados como tal. Muitos caprichos adotados por eles, em palco, pareciam uma série de experimentos que jovens queriam pôr pra fora depois de serem reprimidos. Já outros desses caprichos acabaram sendo adotados até hoje. Os frontman continuam sendo Win Butler e Régine Chassagne, que escrevem todas as músicas da banda até hoje. A dupla é casada e são pais de um filho de 9 anos. De lá pra cá, suas composições continuam sendo escritas para serem cantadas o mais alto possível, de olhos fechados e de modo que sintam toda a multidão consigo em shows.

Todos esses elementos e sentimentos que definiram quem é Arcade Fire nos primeiros álbuns estão claramente presentes em “WE”, mais novo recente álbum de inéditas lançado pela banda. Após se perderem um pouco do caminho de quem são nos álbuns Reflektor e Everything Now, eles retornam com o trabalho que mais tem a identidade do começo da carreira, depois de um pouco mais de 5 anos parados. Não entendam como se esses dois anteriores fossem ruins, muito pelo contrário. São gravações excelentes que abriram mais um leque artístico para quem eles podem ser — ou, naquele momento, almejavam ser.

Em “WE” a banda recuperou sua marca depois de anos indo contra ela. Butler e Chassagne escreveram o álbum inteiro apenas com violão e piano em sua casa. Construíram as músicas e deixaram quase finalizadas antes de mostrarem para os demais membros, que abraçaram toda a ideia de primeira. A tracklist se divide em I e WE. A parte inicial, resumida nas três primeiras faixas, lida com solidão e isolamento. A segunda, com as últimas quatro músicas, aborda reencontro e celebração, estabelecendo parâmetros com a realidade pandêmica da atualidade. Da mesma forma que questões vividas quando eram mais novos influenciavam suas composições nos primeiros álbuns, agora isso se repete.

De certa forma, todas as músicas do Arcade Fire são sobre a mesma coisa, e qualquer um de seus discos poderia compartilhar o mesmo título do novo álbum. Eles estão cantando sobre nós, com uma rara capacidade de transformar e unir. Quando você ouve The Suburbs você repara que a banda está passeando pela sua cidade natal. Quando ouvimos Funeral, eles são crianças agitadas e ansiosas. Em Neon Bible , conhecemos membros vagamente cautelosos com o governo. Esses discos conseguiram atingir o mesmo clímax de seus shows ao vivo, quando a banda anda pela platéia, fazendo com que qualquer um que troque olhares com eles se sinta como um membro honorário.

Não existem excessos na construção e execução das sete faixas, com 40 minutos de duração no total. Cada música tem o seu lugar definido e nada supera sua faixa de abertura. É muito mais que um registro de duas metades. Com o lado 1 (I), meio claustrofóbico e pandêmico no clima, o ‘End of the Empire‘ feito em quatro partes é uma mistura particularmente atraente de desolação e beleza. O lado 2 (WE) é muito mais quente e, por vezes, até alegre. Já ‘Lightning I, II‘ tem uma mudança de marcha sublime no meio do caminho, tudo atravessado com o ar de euforia que definiu os primeiros discos da banda.

A faixa-título é tão minimalista quanto possível e deve muito de sua música ao sublime Cattails da banda Big Thief. Enquanto isso, ‘Unconditional II (Race and Religion)’, com um discreto convidado de Peter Gabriel, combina um vocal de Régine Chassagne com um synthpop dos anos 80 para um efeito fino, embora um pouco incongruente. Com isso podemos dizer que WE é um retorno bem-vindo ao caminho que eles evitavam passar desde The Suburbs.

O ponto é, nada disso que escrevi acima importa muito. Para Win e todos os demais membros da banda: “todo esse processo de pessoas julgando um disco, e isso é bom ou ruim – eu não dou a mínima para nada disso […] toco música para me manter vivo”. E é isso que Arcade Fire é. Um compilado de sentimentos, colocado em letras e melodias que insistem em nos lembrar que estamos vivos e, agora mais do que nunca, conectados uns aos outros.

Deixo aqui – como mera formalidade – minha nota para o álbum, que em pouco tempo será considerado um verdadeiro clássico da banda.

Nota: 91/100 

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