Crítica | Bela Vingança dilata acidez ao som de “Toxic” da Britney Spears

Filme ganhador do Oscar 2021 na categoria de Melhor roteiro adaptado, “Bela Vingança” é assertivo até um certo ponto.

O primeiro momento de “Bela Vingança” (honestamente, é melhor usar o título original: “Promising Young Woman”) é direto e incisivo para quem está vendo o longa de Emerald Fennel pela primeira vez e tem uma breve ideia do enredo. Só ali, naqueles primeiros minutos, a produção esboça um diálogo sobre a cultura do estupro na visão do homem e uma cena com uma Carey Mulligan ativando o modo vingativa, e deixa claro que o que estamos prestes a ver seguir é uma prova de que qualquer pessoa envolvida nessa obra sabe o terreno que está cavando. Bom, pelo menos até o terceiro ato.

Mas é correto afirmar já assim, de cara, que o filme sabe como se declarar diante dos temas que aborda pelas vias de um roteiro original e promissor (tanto é que ganhou o Oscars 2021 de roteiro original). Aqui, temos a crítica necessária quanto às estruturas machistas e toda uma reflexão muito bem contextualizada em volta dos efeitos para a vítima. E tudo é traçado em uma resposta ácida, em tons pastéis, com uma Carey Mulligan brilhando em cena todo o tempo.

Assumindo uma vida dupla após sua amiga ser vítima de um crime, Cassandra trabalha de dia em uma cafeteria e a noite decide sair boates a fora para ser uma justiceira, que ao fingir-se de bêbada, faz com que vários “homens legais” cheguem nela e a perguntem se está tudo bem, fazendo-os então a convidarem para suas casas, e com isso, desmascará-los.

Dilatações

Esse fio condutor é incrível, sério, e é mais interessante ainda destacar a maneira que ele se discorre a seguir. Isso porque primeiramente recebemos uma introdução ao que Cassandra faz desde o que aconteceu com sua amiga, e então, o longa decide se repartir em capítulos, e é essa repartição que obviamente tem a função de estender os fatos que circundam a protagonista.

Tudo que faz parte da vida da Cassandra de dia é logicamente afetado pelo o que ela faz a noite, mas quem assistia não esperava (ok, talvez esperasse) que esses dois caminhos iriam se cruzar de uma maneira que gerasse dentro da trama, novos arcos capazes de fazer com que tudo que o filme ilustrou desde o seu principio ficassem para trás. Acaba sendo uma resolução solta e não muito atrativa diante do potencial da obra. Mas não é como se colocasse toda a coisa a perder e então desvalorizasse tudo o que se viu até certo ponto anteriormente, porém, essa acaba sendo a sensação.

É preciso ver o longa como um todo e captar as suas melhores partes e dilatações e com base nisso, deixar essa sensação, mesmo que amarga, de lado e prestigiar o que a produção faz com o seu discurso em uma narrativa que anda através de gêneros como terror e comédia romântica, para entregar de maneira direta e clara uma discussão perfeitamente idealizada e conduzida sobre raiva feminina, que aqui é centro para a pergunta se ela seria tratada da mesma forma que a masculina.

Meios sorrisos

Cassandra é uma pessoa voraz, a gente não sabe se ela sempre foi assim. Mas a personagem que a gente vê e entende agora, pode ser descrita assim. E quem a descreve perfeitamente bem entre meios sorrisos e olhares é Carey Mulligan, que desde seu último projeto (o ótimo “Vida Selvagem”) vem se marcando como uma das melhores promessas da atualidade. Ela aqui transita entre uma caracterização dócil e outra empoderadora quase como o ascender e apagar de uma lâmpada.

E é ela que segura todas as pontas do filme que tem a direção casual (mas ainda assim atrativa para o que se vê ali) de Emerald Fennell, que soube como trabalhar com o que tem em mãos. Ainda mais quando expõe a violência a mulher mostrando problemas reais com uma violência que não é gráfica, mas ainda assim, acertando no ponto que tem que acertar. Os momentos que há variações de tons são bem explicados e ajustados a trama, trazendo uma aproximação. E isso se possibilita ainda mais devido aos outros pontos técnicos expostos.

A trilha é ótima (o remix de “Boys”, da Charli XCX, feito pelo DROELOE toca logo no começo e é muito bem usado), porém, tem momentos que as músicas não são aproveitadas como deveriam, questões de mixagem e tudo mais. Mas nesse quesito, o que mais se sobressai, mesmo aparecendo em menos de 2 minutos, é uma versão espinhosa e cortante de “Toxic”, da Britney Spears, executada perfeitamente por Anthony Willis com os sons de instrumentos de corda. Dá pra escutar isso o dia inteiro e único sentimento seria: obrigado.

“Bela Vingança” então se resume a um filme ótimo que não entrega mais cenas do que deveria (o tempo passa rápido aqui), e que se não tivesse uma conclusão tão arriscada que não funcionou, seria facilmente, uma das melhores produções de 2020. Ainda assim, mais se ganha do que se perde o assistindo.

“Bela Vingança” chega no Telecine em breve.

Nota do autor: 70/100

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