Crítica | Ava Max, “Heaven and Hell”

Em seu primeiro disco, “Heaven & Hell”, Ava Max traz a dualidade do paraíso e do inferno, além de provar que estudou a música pop das últimas décadas e que veio para ficar

Há um pouco mais de dois anos a cantora Ava Max aparecia pela primeira vez nos charts musicais e via seu nome ganhar notoriedade com o smash hit ‘Sweet but Psycho’. Depois de todo esse tempo, nesta última sexta-feira (18) finalmente lançou o seu álbum de estreia, “Heaven & Hell”. Com um visual característico, cabelo curto de um lado e longo do outro, e um repertório altamente energizante e dançante, a artista trouxe seus lados mais “angelicais” e “sombrios” com vocais poderosos e produções bem executadas do começo ao fim (além de icônicos visuais).

‘Heaven and Hell’, Ava Max (2020)

Sabemos bem o quanto um primeiro disco é capaz de definir o futuro da carreira de um artista. E aqui temos uma coletânea de hits que com certeza vão firmar Max no mundo da música. Com mais de 100 faixas gravadas, de acordo com essa entrevista, vemos um grande esforço para entregar um trabalho bem lapidado e que soa realmente autoral.

Um exemplo disso é sua essência synthpop, disco e oitentista, que na obra vai para direções extremamente diferentes do que as que Dua Lipa e The Weeknd colocaram nos charts e “impuseram” como a “fórmula do sucesso em 2020”. Na verdade, já conseguíamos perceber que esse é realmente seu estilo desde o comecinho de sua carreira com ‘Salt’ e até mesmo com ‘Not Your Barbie Girl’.

Inclusive, “Heaven & Hell” é a prova de que as comparações e principalmente o rótulo de “Nova Lady Gaga” que a foi colocado são incabíveis. Visualmente talvez (são loiras, usam roupas de cantora pop e perucas)… já sonoramente, talvez apenas com os “muh-muh-muh” de seu grande hit ‘Sweet but Psycho’, e só.

O disco parece beber genuinamente da fonte de gigantes do pop como Madonna, Britney Spears, Katy Perry, Kylie Minogue e mais ainda de Christina Aguilera, artistas que provavelmente a motivaram a querer ser uma estrela.

É inegável que Ava Max estudou a música pop das últimas décadas, pegou um pouquinho de cada referência e, com maestria, colocou a sua cara no projeto, que veio com muito frescor.

Essa também pode ter sido justamente a causa da clara fixação por trazer os maiores hits de anos como 2010 em forma de músicas próprias, e desprezar a presença de baladas de piano ou violão. O dedo do produtor Cirkut (responsável por grandes hits de Kesha, Miley Cyrus, Katy Perry, entre outros) em quase todas as canções nos remete muito à essa época.

Apegada em algumas fórmulas no decorrer da obra, temos em alguns momentos músicas bem semelhantes e que muitas vezes vão para o mesmo lugar. Mas o fato é que mirando em um “pop perfection”, pode-se dizer que a artista conseguiu acertar.

Com uma tracklist bem refinada na maior parte de sua duração, o disco vem com a proposta de ser dividido em dois lados: o “paraíso” e o “inferno”. Um conceito um tanto quanto perigoso, já que facilmente pode cair em um lugar comum e clichê, como acontece algumas vezes na obra.

Side A: Heaven

O paraíso de Ava começa com uma espécie de coral na intro ‘H.E.A.V.E.N’. É angelical e sexy ao mesmo tempo. Com certeza é o tipo de introdução que qualquer ouvinte gostaria que tivesse a duração de uma música convencional.

Eis então que a grandiosa ‘Kings & Queens’, um dos auges de sua carreira, começa a tocar. A faixa dançante, já conhecida e até com clipe, é um hino de empoderamento que mistura, sonoramente, a disco music com guitarras eletrizantes. Tudo isso com uma letra muito bem pensada.

No xadrez, o rei pode se mover em um espaço de cada vez
Mas as rainhas são livres para ir onde quiserem

Logo em seguida, o primeiro “baque” é com ‘Naked’ (que ganhou clipe no dia do lançamento do disco). Apesar de versos muito profundos, uma pitada teen pop e um conceito muito intimista por trás, talvez tenha sido ofuscada e prejudicada por vir logo após de um ato muito poderoso como ‘Kings & Queens’. Na mesma vibe, ‘Tattoo’ é quase imperceptível por se assemelhar tanto à faixa anterior, porém com o mérito de trazer novamente uma guitarra que dá todo o diferencial do refrão.

O ritmo volta a subir com o single ‘OMG What’s Happening’, com uma letra totalmente chiclete e uma melodia contagiante, que viaja entre o synthpop e a disco.

Esse mesmo clima ainda continua em ‘Call Me Tonight’. Um fato curioso dessa é o dedo de Tove Lo co-escrevendo, e que é bem perceptível em várias partes da canção. É também um dos primeiros momentos em que Max diversifica os sons.

O último ato do Side A, começa com os sinos de ‘Born to the Night’, que facilmente seria um dos hinos das baladas de 2010. Os sintetizadores e vocais lembram muito as músicas que tocavam nas rádios da época e dão um tom nostálgico para quem viveu esse tempo.

Purgatory:

Temos um meio termo entre os lados, o “purgatório” em que toca a gigantesca ‘Torn’. Que diga-se de passagem, foi perspicazmente colocada para “dividir” o disco. Algumas influências aqui, nos remetem, por exemplo, ao hit ‘Hung Up’ de Madonna. Com a disco infiltrada mais um vez, é brilhantemente o tipo de música para “se acabar de dançar” passando por uma luta interna de não saber se quer ir ou ficar em um relacionamento. Ou seja: é de fácil identificação! 

‘Heaven and Hell’, Ava Max (2020)

Side B: Hell

O clima fica perceptivelmente mais sombrio e triunfal com ‘Take You To Hell’. A faixa soa como um clássico Marina Diamandis, ainda mais por conta das variações vocais. Aqui é onde Max começa, de fato, a fazer algumas experimentações. Ouvimos um pré-refrão, refrão e ponte incrivelmente diferentes do que havia sido apresentado até então. É um lado que nos leva a aspectos mais teatrais.

Eu não quero ser um diva, tão dramática
Mas esse é o preço que você está pagando se quiser minha magia
Não sou o tipo de amante com quem você pode simplesmente voltar

‘Who’s Laughing Now’ também é uma das grandes joias de Ava e que já havia servido com prévia do que viria no trabalho, com assobios e um refrão super retrô e empolgante.

Outra grande revelação é ‘Belladonna’. Junto com seu refrão extremamente viciante está a música mais sombria, tanto liricamente, quanto sonoramente. A metáfora com a planta venenosa Beladona, que pode tanto curar algumas doenças, quanto matar caso mal utilizada, mostra o nível de alta maturidade que as composições da artista têm, sempre respeitando a linha tênue do que é vendável, sem parecer bobo ou pedante.

Você vai gritar meu nome
Me amaldiçoando por chegar tão perto
Não pretendia causar dor
Mas está fora do meu controle, oh garoto

‘Heaven and Hell’, Ava Max (2020)

‘Rumours’ soa como uma filler após a energia de ‘Belladonna’, é o tipo de canção que não marca, mas de tão bem produzida e com um refrão agradável, também não há a necessidade de ser pulada.

Já a genérica ‘So Am I’, segundo single oficial, pode ser considerada desnecessária na obra, principalmente pelo apelo exagerado de trazer de volta “hinos de aceitação” como ‘Raise Your Glass’ de P!nk e ‘Firework’ de Katy Perry. A faixa com certeza foi uma das responsáveis por “atrasar” uma maior explosão de sua carreira e apesar de agradável ao ouvir, parece estar bem deslocada com o todo.

Um dos grandes atos da obra, e diga-se de passagem da carreira, fica por conta de ‘Salt’. Isso porque: traz influências retrô, com uma letra empoderadora de relacionamento e a metáfora das lágrimas que são “salgadas”. Apesar de ser uma velha conhecida, lá de 2018, foi uma escolha brilhante da cantora por colocar essa canção em seu trabalho de estreia.

Por falar em músicas “antigas”, o smash hit ‘Sweet but Psycho’ conseguiu espaço e faz uma bela finalização para um lado que remete ao inferno. É claro que seu maior hit não poderia ficar de fora, mas em nenhum momento soa como algo forçado, bem ao contrário. A faixa, extremamente teatral, realmente soa como um “pop perfection” e também dá sentido a todo enredo desenvolvido nos dois lados.

“Heaven & Hell” se mostra como um trabalho de alto nível, principalmente para uma “novata”. Com um certo frescor, composições impecáveis e sua essência teatral, o que surpreende é a cantora não ter ido ainda mais longe comercialmente falando.

Em um conceito que teria tudo para ser batido, a artista desenvolve uma narrativa grande parte das vezes madura e bem coesa. Apesar de alguns pontos conturbados ao longo da obra, vemos evolução e boa execução em um começo, meio e fim bem definidos. Temos grandes acertos em seu “paraíso” e seu “inferno”, o que nos faz ter certeza de que Ava Max veio para ficar e nos deixa até mesmo curiosos para saber os próximos passos que ela dará.

Nota do autor:
75/100

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