Crítica | Pabllo Vittar, “111”

Em 111, Pabllo VIttar entrega poucos momentos muito altos e muitos momentos difíceis de desembaralhar.

É possível admirar um artista sem pensar em sua música. Seu impacto no cenário que pertence, sua contribuição para a comunidade que faz parte e o quanto isso abriu (e irá ainda abrir) muitas portas para tantos que podem surgir por aí… e Phabullo Rodrigues da Silva já seria um símbolo de resistência mesmo se sua persona, Pabllo Vittar, nunca existisse. Falar sobre a drag queen como personalidade da mídia é necessário para justificar a execução do seu terceiro disco, já que ele só existe devido ao fenômeno que a artista se tornou. Mas sendo necessário analisar friamente apenas a obra por si só, sobram adjetivos para definir o quanto este projeto é confuso… já que por querer soar tão eclético acaba se perdendo dentro do seu próprio mundo.

111 entrega tudo, e ao mesmo tempo nada. O álbum dá show no que diz respeito a refrãos tão pegajosos que chegam a causar aversão depois de duas ouvidas. Se tem uma coisa que Pabllo (e seu produtor a tiracolo Gorky) sabem fazer são hits, a visão que essa parceria tem é um dos principais fatores pelo qual ouvimos tanta coisa da cantora emplacando em festas, playlists e na cabeça das pessoas.

Mas criar hits não é a receita principal para definir o que entra em um disco, até porque para lançar um trabalho só com os maiores feitos da carreira basta apelar para o famoso ‘greatest hits’. O projeto trilíngue é uma vitória, ter uma visão global sobre um ato que já transcende o próprio país é o melhor acerto, e o Brasil já é pequeno para Pabllo Vittar. Mas definir um conceito com foco em mercado não é desculpa para apresentar algo tão desalinhado.     

Em apenas nove músicas é possível se encontrar em extremos do gênero pop. É difícil até explicar a sensação de ouvir ‘Amor de Que’, ‘Salvaje’ e ‘Flash Pose’ uma após a outra. Não existe conexão alguma entre as faixas, já que a ordem na tracklist parece ter sido definida por sorteio. Mas se uma definição de em que momento entra cada música pode ser indolor dependendo da competência de um projeto, ela também tende a se tornar um problema maior do que é quando ouvimos um disco que simplesmente não é muito bom, principalmente se comparado ao anterior. 

A decisão por experimentar muitas sonoridades é algo comum entre artistas, mas altamente arriscado. O risco aqui acabou tornando tudo caótico, em alguns momentos temos frases que podem ser definidas como tão icônicas que acabam se tornando uma das melhores composições da carreira, como quando Pabllo canta: “Veja bem, não é maldade / É que tem tanto homem bonito na cidade / E eu ‘to na flor da idade / Melhor se arrepender do que passar vontade”. Minutos depois temos “Clima Quente”, uma colaboração com Jerry Smith onde ambos soam no modo automático de um jeito que parece que mal sabem as palavras que estão repetindo. A repetição já é praticamente uma muleta do disco, o festival de canções curtas apela para rimas tão óbvias que dificilmente dão a volta e se tornam viciantes, a única exceção fica com ‘Parabéns’ o (improvável) dueto com Psirico que acaba servindo como ótima música de abertura.

O melhor momento fica para o final. A produção de ‘Ponte Perra’ é uma das melhores e parece um instrumental de K-Pop, dada a qualidade e quantidade de tantas camadas com batidas diferentes. A loucura é tanta que a letra acaba se tornando coadjuvante, o que é palpável já que o brilho na canção é justamente providenciar algo ótimo para dançar (diferente de Flash Pose, que mesmo com a participação da genial Charli XCX apresenta um resultado pobre, apesar de tanto investimento para que soe riquíssima).

Curiosamente o ponto mais alto em 111 é em sua despedida. ‘Rajadão’ é uma das maiores faixas da carreira da drag, e o ponto de curiosidade é perceber que tudo o que se vê de errado no disco é um ponto de acerto nesta música, porque a canção parece um encontro de louvor durante uma mamba negra. O caos aqui funciona.

O resultado de um projeto focado numa apresentação oficial da artista para o mundo apresenta poucos momentos muito altos, mas que vão ficar marcados como grandes acertos na discografia. Em contrapartida sobram ocasiões onde é necessário forçar um pouco para desembaralhar e entender o que está sendo ouvido. Independente da razão pelo qual 111 nasceu, é preciso que um disco funcione primeiramente como produto de consumo, e infelizmente seus acertos não são o bastante para isso.

Mesmo assim, Pabllo Vittar segue sendo exemplo de artista que arrisca e não deixa o público esquecer de seu nome… seja pelo carisma gigantesco, pela tentativa de sonoridades, concepções fora do comum e também pelo aproveitamento de suas raízes em seus discos.

Nota do autor: 63/100

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