Crítica | The Weeknd, “Dawn FM”

Temos na mesa o primeiro grande projeto musical de 2022! The Weeknd promove ainda mais a ideia de que é um dos melhores artistas da história

Enquanto se atravessa a ponte da transição entre os estágios da vida, se escuta uma voz no desalumiado céu falando para caminhar para a luz e aproveitar mais um pouco de música comercial da Dawn FM, rádio responsável pela passagem indolor, qualquer que seja o seu destino. Esse é o contexto narrativo principal que dá vida ao “Dawn FM“, novo álbum de The Weeknd. Todo esse ato parece ser gelado ou estranho, mas para Abel Tesfaye, após tantos trabalhos espetaculares, executar uma ideia tão fora da caixa como essa é simples. Por que não curtir umas músicas sobre o calor da madrugada, amor, escolhas erradas que levam a vícios, sacrifício e moral enquanto “curte” o escuro que vem depois da luz?

Quem narra a introdução da estação é Jim Carrey, que no interlúdio sonoramente delicioso que abre o disco explana que a coleção de músicas que veremos a seguir foram feitas para o “passageiro” relaxar um pouco enquanto está a caminho do seu iminente… fim? Ou, podemos simplesmente estar em um túnel cheio de carros. Uma conclusão para o que The Weeknd de fato quer propor com o projeto em questão de história, é extremamente ambíguo. A capa junto do nome, por exemplo, representam a velhice como uma era prestes a amanhecer em que se reflete sobre todos os azedos da vida, ou traz na face do artista os excessos que cometeu? São perguntas para debates, mas dentro da linha e execução sonora das canções do disco, não é preciso, pois aqui a certeza que reina é a de que temos mais um álbum espetacular.

Gasoline“, segunda faixa da tracklist, representa um baque inicial para o ouvinte quanto ao perfeito estágio de mutação que encontraremos no decorrer dos cinquenta minutos de duração que vem a seguir. Com uma distorção na voz viciante e uma construção ímpar, já é possível sentir a nova representação dos recortes dos sintetizadores new-wave presentes no seu álbum anterior, e os primeiros respingos de referências ao Rei do Pop, Michael Jackson.

O começo de “Out of Time” parece vir diretamente de uma canção do imortal homem que mudou a história da música. Isso não é causado apenas pelo único uso de instrumentos, mas também pelo compasso que Weeknd usa para conduzir a ótima balada. “Sacrifice“, que parece em todas as suas formas ter sample de “Thriller” (mas na verdade usa “I’ll Do Anything For You”, de Denroy Morgan, “Roar”, de Axwell /\ Ingrosso, e “I Want To Thank You”, de Alicia Myers”), usa daquela estética que faz o corpo mexer de acordo com as batidas graves para gerar um hit alucinado que conta como um homem abre mão do amor, não de propósito, por “mais da noite”.

Vale destacar que é de suma importância escutar ao disco sem o modo aleatório ativado (pelo menos na primeira audição); as canções se ligam como se a rádio estivesse tocando sem parar. Só é possível apreciar a beleza melódica e densa, e toda essa história de radiodifusão, de “How Do I Make You Love Me?” (que parece ter vindo de um álbum antigo do cantor) e a nova tomada de ar que o single “Take My Breath” ganha, se escutadas uma atrás da outra.

The Weeknd parece tão centrado e ao mesmo tempo confiante dos sons que cria aqui, que entregamos por completo o nosso corpo para tal execução até nas canções que seguem um rumo mais “genérico”. “Best Friends” parece a primeira vista só comum, mas a ode sexy diante da letra e a sonância torna toda a obra implacável. Já a que vem a seguir, “Is There Someone Else“, deixa esse ruído de algo apenas comum de lado e provoca ainda mais o ouvinte a entender que o artista é dono de um talento descomunal. Se a humanidade alguma vez desconfiou disso, todo o resultado presente no “Dawn FM” torna essa mentira em algo ainda mais irreal.

A estética dos vídeos dessa fase (desde a promoção do disco até os clipes) provocam no rosto um ar gélido que brevemente causa uma anestesia, e mesmo que essa aura fria esteja presente desde a capa até o plano de fundo sonoros, o álbum de estúdio de um dos maiores e melhores artistas vivos atualmente deseja que você desencadeie uma propulsão fervorosa na pista de dança com absolutamente todas as músicas que abraçam o lado disco oitentista que The Weeknd inflama e elucida com maestria – ele não quer parar, e o seu fascínio por essa década esboça com clareza o desejo de escapar do mundo e dançar até que o sangue das nossas veias borbulhem. Que projeto insano!

Don’t Break My Heart“, “I Heard You’re Married” e “Less Than Zero“, que encerram o álbum antes do melancólico monólogo “Panthom Regret by Jim“, precisam ser ecoados pela sua cabeça no maior volume possível. A última inclusive possui uma força estrondosa para ser single e ceder a Abel um pouco mais daquela confiança quanto ao seu talento em fazer com que músicas grudem na nossa cabeça por muito tempo. Ela é possivelmente a melhor de todo o projeto, mas não é difícil ser franco e alegar que praticamente todas as canções estão em um patamar de grandeza, já que em nenhum momento as batidas do coração do “Dawn FM” ficam em tons fracos.

A liberdade aqui plantada pelo sentimento de querer dançar em um clube as faixas do álbum ou apenas colocar a estação fictícia no carro, é vívida e o desempenho para que tal sensação se evoque em nosso corpo merece ser aplaudida. Mas quem merece uma maior adoração é Abel Tesfaye, por representar a arte brilhosa de nos fazer sentir quaisquer que sejam as emoções com o uso da música no primeiro grande álbum de 2022 – parece que precisaremos de forças para mais um ano, e ele nos dá isso. Ele é sim o maior artista vivo.

Nota do autor: 100/100

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