Crítica | Billie Eilish, “Happier Than Ever”

Com quase uma hora de duração, o novo álbum da artista se faz presente por uma produção imparável e marcante.

O esperado segundo disco da Billie Eilish chegou aos ouvidos dos fãs na sexta-feira (30) passada. E a responsabilidade da cantora em oferecer um projeto maduro e original foram mais do que além, isso porque as prévias da nova fase não soaram exatamente como algo extraordinário, porém, sempre estiveram dentro da bolha que a cantora, ao lado do seu irmão, o FINNEAS, ousam em estourar agora que temos o projeto inteiro em mãos.

Happier Than Ever” não possui as semelhanças interiores do álbum de estreia da cantora, mas ainda assim não foge das regalias que lhe dão o seu nome. Aqui, há um crescimento inovador dentro das jornadas que ela decide explorar. Algo que é seu, mas que se explana para todos os lados com primor, fazendo ainda mais sentindo quando se prestigia tudo junto, e curiosamente, os três singles lançados como preparação mostram isso. Aqui, unidos do do esqueleto inteiro, soam mais fortes e ganham uma nova embalagem externa digna de admirar. “Your Power” toma para si uma aura melancólica viciante muito bem erguida pelo violão, que agora por alguma razão, mostra-se mais ponderado.

NDA” é densa em sua composição, mas extremamente chiclete, não do tipo a sair cantando a meia voz, mas quanto a diagramação, que gruda na cabeça de maneira ímpar – sua reta final é impaciente e postiça. “Therefore I Am” se liga com as batidas da faixa anterior e evoca a estética dançante da cantora-compositora desde o momento zero, sendo talvez a mais simples, mas que ainda assim, soma e não tira.

Para “Male Fantasy”, na primeira audição, é repetitva ou até descartável, situação essa que muda imprevistamente ao se ouvir mais de duas vezes a canção. O instrumento de cordas está aqui de novo, mas em uma dilatação sinfônica capaz de ser a melhor do álbum, sem contar a letra no ponto de vista masculino, que acalanta e faz pensar.

O pré-refrão de “Lost Cause” é citado com classe por Billie, elegância essa que decide permear em toda sua duração, onde em “Gave me no flowers / Wish I didn’t care / You’d be gone for hours / Could be anywhere” a produção de FINNEAS sofre um ápice e aquece por completo tudo que a música evoca. Para “my future”, as nuances básicas são resplandecidas por um ar de balada ideal para os contornos da obra. É até fraca, mas a letra é intensa e a quase virada de teor é bem recebida.

Oxytocin” provoca logo no lado A, o que vem a ser o destaque. Situada em um grave puxado pro lado eletrônico, ela é estranha, mas impecavelmente montada. A peça esbanja liberdade e combina artifícios a serem prezados pela bela execução. E que transição esplêndida para “GOLDWING”, outro suprassumo do disco, que pelo seu tom angelical no começo se torna logo uma irreverente canção agitada.

I’m just a mirror
You check your complexion
To find your reflection’s all alone
I had to go

Parte do verso 01 de “my future“.

 “Getting Older”, que abre o projeto, deixa claro a que Billie veio contar aqui: evolução. E em dado momento, ela sussurra por entre parênteses: “Lying for attention just to get neglection”, em tradução livre, “mentindo para chamar a atenção apenas para obter negligência”. Sem dúvida isso não passou pela cabeça da artista do nada, houve tempo para tais descobertas. E no registro de estúdio, ela evidencia todo esse crescimento liricamente, obviamente, mas também através das vias da produção e do tecnicismo que a coloca em um patamar honroso: o de saber o que está fazendo ao lado do seu irmão, e primordialmente, estar gostando disso. Logo, autenticidade é algo que não falta aqui.

Com rosnados no início, “I Didn’t Change My Number” é sedutora e poderosa, mas também espinhosa diante dos arranjos que melhor definem a carreira da artista. É inegável que essa aqui tem tudo para ser o seu próximo hit. “Billie Bossa Nova” prova a carga diversa dela e do irmão, que honram o movimento de renovação do samba em uma faixa com gradações deliciosas e muito cativantes. “Love when it comes without a warning”, primeiro verso, coincide pela entonação quase como uma música do gênero.

Com a melodia de fundo mais bonita do disco, “Everbody Dies” reflete com uma passagem bem adulta sobre como as coisas da vida nos moldam até a morte. As oscilações na voz de Billie e os crescimentos instrumentais, esbanjam sensações naturais e singelas. “Not My Responsability” provoca o mesmo, mas de maneira espinhosa.

They’re gonna tell you what you wanna hear
Then they’re gonna disappear
Gonna claim you like a souvenir
Just to sell you in a year

Parte do verso 02 de “GOLDWING“.

O monólogo poderoso sobre tudo que a artista sofre quanto a objetificação sobre seu corpo e as roupas que usa, funciona junto de “OverHeated”, e novamente, que junção espetacular de canções. As gradações do interlúdio que lembram algo que Vangelis faria para “Blade Runner – O Caçador de Androides” reverberam como uma ponte perfeita para a canção que se tem a seguir. “The body I was born with / Is it not what you wanted?” deve ser considerado o verso mais prestigioso e ágil de todas as suas letras já vistas até aqui.

Parece que há na gravação inteira, uma necessidade em transformar as músicas em outras a partir do começo do terceiro ato. Esse fator poderia ser um pecado, caso essas trocas de nuances não fossem maciças e respeitáveis. “Halley’s Comet”, que quase não entrou para a tracklist, se adentra por um piano e voz abafada em uma disposição alá anos 60 no que vem a ser a composição mais emocionante e singela de toda essa parcela de sentimentos em estar perdido nas emoções do amor em uma tarde ensolarada.

Happier Than Ever” faz o mesmo da faixa citada acima, porém, aqui, há uma diferença maior. São quase cinco minutos do que agora é a melhor criação da cantora. É a mudança climática totalmente distante do ar retrô que surge perto dos três minutos e abre espaço para um choro psicodélico de rock que emite uma extravagância espetacular. É a rachadura perfeita que o álbum nunca precisou, já que ele nunca esteve em marés baixas.

O que Billie e FINNEAS fizeram com esse segundo disco foi basicamente sair da zona de conforto sonora sem sair totalmente dela. Isso é algo que todo artista deve fazer – mostrar um progresso de um som característico, mas sempre cavando novos territórios.

Aqui, o resultado é montado bloco por bloco com uma ressonância imparável e com um manuseio muito importante de identificação universal. Ela é uma adolescente falando sobre ser adolescente em letras que são comuns, mas completamente densas para si. Trabalho vocal, produção e diferentes aplicações, tornam as 16 canções no compilado seguras em sua propostas, unicamente sombrias, adultas e focadas em um objetivo: regar uma verdade. A partir de agora, o chão de Billie Eilish está repleto de pepitas de ouro.

Nota do autor: 95/100

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