Crítica | Gaby Amarantos, “PURAKÊ”

Servindo como um choque de cultura, segundo disco da cantora mostra uma força estridente que se alastra por um calor tropical.

Foram necessários 9 anos (a data se contemplou exatamente no dia 02 de setembro) para que tivessémos em mãos o segundo disco de Gaby Amarantos, a paraense não deixou de trabalhar durante esse período, mas um registro de estúdio completo chegou apenas agora, nessa sexta-feira (3), no justo momento mais imponente para a indústria musical brasileira que se deu nesse ano. O melhor é que com o “PURAKÊ“, Amarantos se junta à gama com uma devida potência.

A explosão do som do norte acontece em 13 faixas que emplacam apenas pelo seu ato de existência ungido à estética sonora da cantora, uma atmosfera inigualável de música amazonense temporal. Essas explosões não se ramificam apenas pelos dizeres sonoros, mas também da presença de um ótimo trabalho visual. A capa que une tecnologia e natureza se ascende por uma eletricidade natural, que se estende por definições da cantora sobre o trabalho como uma Amazônia do Futuro. O notável da maioria dos projetos ímpares de artistas nacionais desse ano foi justamente o apreço acima de tudo da camada visual e de fundo que almejaram transmitir com suas obras. Luíza Sonza usou inspirações pessoais suas de grandes artistas, Duda Beat trouxe um tipo de bruxa natural quase farta de amores, Pabllo Vittar, uma aura brega e extremamente eficaz com a suas regravações. Com Gaby, o mesmo aconteceu e ela está no comando de uma revolução sonora local.

Elza Soares, Alcione e Dona Onete, uma trindade estrondosa, abrem os passos as serem percorrido descalços do trabalho. Os backgrounds de “Última Lágrima” são viciantes de se ouvir e ao lado da diagramação crescente, põem largamente logo de cara em primeiro plano a sonoridade estralada do álbum. Parece que com a faixa de abertura, ela deixa claro que seu repertório está puramente florescido.

Sangrando” é melodicamente audaciosa e puramente deliciosa. Com menos de três minutos, a sofrência moderna que conta com Potyguara Bardo (excelente por sinal) é ideal para tocar sob a luz do luar em uma festa no meio do nada onde todos os sentimentos de “quem criou a desventura” apareçam a tona. “Amor Para Recordar“, com Liniker, pousa com acalanto no peito e se faz sutil com um piano e os ruídos de uma chuva. É a sétima da tracklist e o reflexo mais transcendental de todo o registro.

Opará” tem a voz de Luedji Luna como de fato, uma sereia no rio. Os momentos em que as vozes se calam e temos apenas o instrumental são de apreciar com toda a atenção. Assim como todas as outras até aqui, essa parece estar cheia de desejos naturais, que se completam pela construção dos sons e a divindade que gira em torno do rio.

Com o anseio em unir todas as linhas da teia vista até aqui, Gaby demonstra através de efeitos de fundo e mixagem de ritmos, uma coesão que nunca se perde. Tudo exposto aqui se condensa naturalmente na margem dos ribeirinhos da maneira mais autêntica possível. Não apenas natural de “sem complicações”, mas também quando nos referimos à natureza. “Fiz oceano de solidão \ Onde a lágrima é multidão \ Labirinto pra eu me encontrar”, os versos de “Rio” exclamam essa essência orgânica que temos em vigor em cada faixa.

A contagiante “Embraza” serve com um calor mais calmo um respiro refrescante, é ingênua, mas possui um terceiro ato que a quase faz revigora-se por completo; seguindo a mesma escala de tons, “Amor Fake” é talvez a que se pareça mais com algo que a Gaby de um tempo atrás faria.

Feita obviamente para dançar e sem maiores intenções, o brega punk “Vênus Em Escorpião” se inicia com uma Urias como sempre sexy, e prossegue-se com Ney Matogrosso; a pegada mais eletrônica e os ecos dos vocais funcionam como algo nostalgico. A faixa dá a breve brecha para a fase final e então entra “Selfie“, que chegando a ser cômica, soa com uma viagem sob o uso alucinógenos em uma letra sobre desconectar-se do mundo ao lado de alguém.

A carga louca de “Iniciação” é sensacional, sem contar com os adereços para dançar até cansar com alguém, ou apenas sozinho. Essa onda que levanta um ideal sem regularidades sobre só aproveitar a camada final do disco, é pura e de fazer levantar. A sequência final que se dá por “Rolha“, “Arreda” (tecno brega afro punk, bobo e explosivo com Leona Vingativa e Viviane Batidão) e “Tchau” (faixa com sintetizadores impecáveis com versos de Jaloo, que é produtor do disco), é uma finalização bem pontuada dentro do que a sonoridade mais espotânea que apareceu com as faixas de cima precisava.

Talvez não haja palavra melhor para descrever esse registro inteiro do que efervescente. A transição tropical entre começo, meio e fim reforça isso usando um pilar para unir todo o projeto: natureza. É como se a Gaby afirmasse por entre as treze produções, um tipo de música que já está anos a frente, não só de maneira lúdica, mas real também.

Todo o processo de composição e produção musical que aconteceu a bordo de um barco no Rio Tapajós, no coração na Amazônia, não apenas resultou em ruídos (como é possível escutar sapos e águas de rios), mas também em uma ode a natureza que definitivamente transcende por todas as veias pulsantes do “PURAKÊ“.

Nota do autor: 85/100

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