Crítica | Veneno é o retrato de Cristina Ortiz e a dura vida das travestis

Série baseada em fatos reais, conta a história da famosa La Veneno sem suavizar a dura realidade e marginalidade da vida das travestis.

Cristina Ortiz Rodríguez (1964-2016) era o nome de uma das mais famosas travestis da Espanha, história contada em Veneno, minissérie de 8 capítulos produzida pela HBO Max. Muito conhecida na Espanha na década de 90, La Veneno, como era chamada, foi atriz, cantora e profissional do sexo, se destacou por ser uma figura polêmica, mais acima de tudo autêntica e muito sincera.

Na série conhecemos Valeria Vegas (Lola Rodríguez), uma jovem estudante de jornalismo, que se encanta com La Veneno e a partir de sua admiração, começa a escrever um livro sobre a cantora. Conforme Valeria conhece a história de Cristina, seus laços se estreitam e a jornalista descobre mais sobre a mulher que lhe inspira e sobre si mesma.

Cristina La Veneno no lançamento do livro de suas memórias

Baseada no livro ‘Not A Whore, Not A Saint: The Memories of La Veneno’, escrito de fato pela verdadeira Valeria Vegas, a produção não poupa esforços para mostrar a dura realidade da vida das travestis, mostrando toda crueldade e sofrimento que a falta de oportunidade e a marginalização causam na vida destas mulheres.

Em Veneno, podemos sentir o peso físico e psicológico da vida de quem nasceu com o gênero oposto ao que lhe foi atribuído no nascimento, conhecendo os aspectos mais íntimos e por vezes exaustivos do processo de autodescoberta. Cristina é interpretada em três fases distintas por JEDET, Daniela Santiago e Isabel Torres. Além disso, o pequeno Guile Márquez e o jovem Marcos Sotkovski dão vida as versões criança e adolescente da personagem principal e em seus respectivos recortes de tempo, brilham de forma exponencial para contar esta história.

Outro ponto importante do elenco é a presença da própria escritora Valeria Vegas, que faz uma aparição em um dos episódios, como recrutadora de um veículo de comunicação. Além disso, Paca La Piraña, melhor amiga de Cristina, interpreta a si mesma durante toda a série, conferindo ainda mais força a realidade da obra.

Mais que uma série, um marco LGBTQIA+ nas telas

Veneno entra para o hall das maiores obras LGBTQIA+, não só por sua temática, mas por trazer em seu elenco uma quantidade enorme de atrizes travestis de todas as idades. É impossível falar do elenco e não lembrar de outro grande marco de sucesso neste tema, a série Pose.

Porém, é necessário dizer que, diferente de Pose – que aborda amplamente questões trans, mas também abre espaço para falar da realidade dos gays da época. Veneno é inteiramente focada na vida, marginalidade e sofrimentos das travestis, embora conte a história de Cristina, a minissérie não deixa em nenhum momento se quer de dar voz à estas mulheres.

Talvez, Veneno não tenha tido a pretensão de traçar nenhum paralelo ou até demonstrar alguma diferença entre transexuais de travestis, mas em sua concepção, aponta (sem diminuir nenhuma das dificuldades destas vivências) que o estudo, conhecimento e a classe social, são a única coisa que às vezes as difere. De um lado, a vida de Valeria, parece ser um pouco menos conturbada e dura, enquanto a de Cristina (analfabeta, pobre e sem família) é extremamente pesada e traumática.

No fundo, sabemos que não há diferença entre transexuais e travestis, mas se restava algum tipo de dúvida, a produção também expôs isso, com um texto forte que diz claramente que não importa de onde cada uma delas venha ou o que tem na vida, de alguma forma, todas são iguais.

É seguro dizer que a minissérie deixará marcas de representatividade muito relevantes no cenário da luta LGBTQIA+ e que é imprescindível que chegue ao máximo de países possíveis. Infelizmente Veneno ainda não está disponível no Brasil e nem se sabe se estará, mas com certeza, sendo um dos países que mais mata transexuais e travestis no mundo, sua exibição aqui se faz urgente.

Nota do autor: 100/100

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