Crítica | 5 anos do “Art Angels” da Grimes

Art Angels se torna o álbum mais acessível de Grimes da forma mais natural possível, sem sacrificar sua essência ou personalidade.

É difícil classificar a persona musical de Claire Boucher devido a tantas camadas que a própria artista transparece. Mesmo depois de se tornar algo além da música (graças a um casamento que costuma ser comentado por motivos um tanto quanto exóticos), Grimes ainda tem seus dotes artísticos como ponto de partida para qualquer discussão, seja ela algo profundo e acalorado, ou até com tons de piada. Independente da opinião sobre sua carreira, é fato perceber o quanto ela travou batalhas internas e externas para simplesmente ser quem é. Não existe Grimes cantora sem existir a produtora, ou a compositora. A qualidade do seu trabalho não é o que deve ser analisado, e se fosse, provavelmente existiriam argumentos forte de qualquer lado que se coloque sobre a pessoa, mas é necessário entender de uma vez por todas que estamos lidando com alguém que vai além, e não um produto básico.

A dificuldade em colocá-la em determinada caixa se deve pelo motivo de que aqui não há caixa alguma, como se o universo criado pela sua musicalidade transcendesse de forma que seja impossível adaptá-lo em qualquer quadrado. Também é muito fácil se perder quando se fala sobre sua discografia, então (por mais complicado que possa parecer) é correto manter os pés no chão para guiar qualquer discussão sobre seu som. Mas em alguns momentos um disco acaba se mostrando mais simples do que se esperava, o que faz que argumentos sobre sua desenvoltura surjam de forma natural. O que completa cinco anos em 2020 é um dos seus melhores trabalhos, e também o mais acessível; Art Angels.

Um dos objetivos alcançados de Art Angels foi mostrar que Claire Boucher vai muito além de ser apenas uma cantora.

Depois de abusar do software GarageBand para produzir Visions em 2012, era o momento de tentar profissionalizar um pouco mais suas produções. Isso fica visível durante todas as quatorze faixas, principalmente o modo ‘Grimes’ de fazer música pop. O que já pode ser encontrado na segunda faixa, ‘California’, que chega a soar básica de tão fora da curva do que ela já tinha nos acostumado, mas a pegada com leves toques de música country não é nada diferente da essência da artista, que com este disco deixou claro que sua visão do que pode ser algo popular é muito distorcida.

Até no momento mais comercial ainda é possível perceber que não estamos lidando com algo comum, ‘Flesh Without Blood’ é a melhor forma da ‘distorção acessível’ que a cantora causa em quem aprecia esse trabalho. Caso a mesma fosse lançada por qualquer outro artista, poderia até passar batida… mas os vocais tão criticados pela sua característica de parecer infantil se tornam o que guia a canção para a direção perfeita, provando que é possível sair da zona de conforto mantendo os princípios sonoros que a fizeram ficar tão conhecida. Outra coisa que o projeto trás é uma estranha calmaria, em ‘Belly of the Beast’ e ‘Easily’ temos dois exemplos de faixas que de tão simples parecem até cruas e inacabadas, mas o charme em parecer algo que foi feito em cinco minutos é uma das melhores impressões erradas que se tendem a causar. Após algumas ouvidas já é possível se pegar repetindo os mesmos minutos apenas para encontrar as tais camadas que fazem seu som algo tão rico.

Em outros momentos o álbum mostra que também pode servir como trilha sonora de festa. O combo ‘Kill V. Maim’ e ‘Venus Fly’ são as mais animadas do conjunto (talvez até da sua própria discografia) e suas produções não deixam nada a dever para grandes produtores masculinos de grandes cantoras. A participação de Janelle Monáe na segunda citada é um feat. que ninguém esperava, mas que todo mundo deve agradecer após ouvir. Duas artistas tão excepcionais em tudo que se propõem, trabalhando juntas sem que sejam engolidas por uma canção tão grandiosa, é a prova de que para algumas colaborações darem certo basta dois lados saberem trabalhar para criar um terceiro elemento tão único.

Grimes consegue realizar um trabalho que serve como porta de entrada para sua discografia de forma magnífica.

O que faz deste ser o melhor álbum para seu público é justamente conseguir obter o balanço perfeito entre algo que mostre exatamente o que ela é capaz, assim como sendo o mais indicado da discografia para começar a conhecê-la. Serão raros os momentos em que se faz uma cara estranha tentando entender o que está tocando, e em alguns outros é capaz de até desconfiar como alguém chegou em tal sonoridade depois de vir de trabalhos tão diferentes. Acompanhando a evolução da ‘persona’ é possível até dizer que este foi um dos momentos mais significativos de todos os trabalhos lançados. Muita gente chegou a seu som por este disco, e entre partir dele avante para o Miss Anthropocene (2020) ou para trás com o Visions (2012) não existe escolha correta, em razão dos dois serem distintos em sua experimentação. A única coisa correta, é afirmar que Art Angels foi um pequeno marco na música em seu ano, mas um gigantesco na carreira de Grimes.

Nota do autor: 84/100

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