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Crítica | Ellie Goulding, “Brightest Blue”

Em “Brightest Blue”, Ellie Goulding nos leva para sua saga de autoconhecimento em nuances intimistas equilibradas com o bom e velho dance pop

Após vários singles e muitas incertezas nestes 5 anos, Ellie Goulding está de volta com um… ou melhor, DOIS álbuns! “Brightest Blue”, quarto trabalho da carreira, traz uma artista mais madura, vulnerável, que viaja dentro de si mesma e nos leva junto nessa saga em busca do amor próprio. Ao mesmo, conhecemos EG.0, o alter ego que dita o Lado B, uma mulher extremamente confiante que a britânica insiste em dizer: “não sou eu de verdade, mas gostaria de ser ela às vezes”.

Não se sabia muito bem o que esperar de “Brightest Blue”. Neste tempo todo desde o “Delirium” (2015) tivemos diversas músicas soltas e que não pareciam ter uma unidade tão concisa. O antecessor também havia dividido a opinião de fãs e crítica, por trazer uma proposta extremamente comercial e que acompanhava as tendências do dance pop da época.

Alguns colocam como o “irmão mais velho” do “Halcyon” (2012), e apesar de um certo fundamento, provavelmente essa não seria a comparação mais adequada.  Podemos dizer, sem dúvida alguma, que em “Brightest Blue” Goulding revisita o melhor de cada um de seus projetos anteriores, porém, dando corpo à uma sonoridade muito única e fluída no Lado A, ela vai mais além. E apesar de destoar, e muito, a criação do Lado B cantado por EG.0, é um modo criativo e artístico para unificar as canções mais comerciais e “radiofriedly” do projeto (e provavelmente ceder às possíveis pressões de gravadora).

Como todo álbum de Ellie, se perde um pouco em sua extensão com algumas músicas longas e várias faixas. Porém, não é um álbum com músicas que soam como fillers e são extremamente genuínas. A maior parte da composição e também da produção executiva (especialmente no Lado A) ficou por conta da própria cantora e de Joe Kearns (já conhecido em alguns trabalhos do Halcyon e do Delirium). Além de trazer alguns nomes queridinhos de playlists e da rádio como Diplo, Swae Lee, Juice WRLD, blackbear, Lauv e serpentwithfeet.

Aqui, não vemos um álbum centrado em relacionamentos em si. Inclusive em uma entrevista à Billboard ela relata que, agora casada, não sente tanto que deveria tocar no assunto. O que a fez ficar mais introspectiva em dar vida a um projeto sobre si mesma:

“Eu continuo escrevendo canções pop, mas este álbum é definitivamente mais. É definitivamente mais pessoal, mas é tudo sobre eu mesma. Não é sobre ninguém mais. É sobre encontrar amor para mim mesma e ter um longo tempo para chegar lá. E você sabe, falar sobre a jornada que teve para eu alcançar esse ponto, eu penso.”

No “azul mais brilhante”, assim como o nome diz, temos tons de azul que remetem à tristeza e melancolia em alguns momentos, que vai crescendo até mostrar toda esperança da artista. Afinal, azul é a cor do planeta. No Lado A é onde Goulding relembra seus erros, trajetória e se mostra com muito mais clareza e assertividade em suas composições. A orquestra presente na maioria das canções deste lado nos remete a uma verdadeira saga a encontrar a luz.

‘Start’ literalmente inicia a tracklist. O que parece ser uma multidão gritando o nome de Ellie dá espaço para um piano, de um jeito muito sombrio, porém esperançoso. Entre um verso e outro, a cantora já nos introduz às suas questões pessoas e diz: “Penso que um novo começo nunca é tão tarde para começar de novo”. A faixa, extensa, conta com vocais “frágeis” de serpentwithfeet e ganha força ao longo de toda sua extensão.

Então temos a já conhecida ‘Power’, destoando totalmente da faixa anterior e trazendo uma produção minimal e bem oitentista. A britânica recita trechos bem agressivos por meio da nuance intensamente sexy, relembrando o que já precisou ceder em um relacionamento: “Tudo o que você faz é cruel”

‘How Deep Is Too Deep’ é sem dúvidas um dos grandes destaques do álbum e uma das melhores revelações. Soando como um “clássico Ellie Goulding” temos uma proposta comercial dançante com muita identidade. É, sem dúvidas, uma das amostras de amadurecimento sonoro da artista. Sucedida por ‘Cyan’, a primeira interlude, ainda vemos alguns samples de ‘How Deep Is Too Deep’ entre sintetizadores para criar uma espécie de “amarração” com a faixa seguinte, ‘Love I’m Given’.

E temos aqui um dos momentos mais brilhantes do trabalho: ‘Love I’m Given’ com certeza é um dos grandes atos da carreira e evolução de Goulding. Demonstrando um sentimento muito genuíno de mudança dos erros do passado, nessa balada super poderosa ela canta “Mas eu sinto uma mudança no amor que recebi. Estou virando a página agora, estou perdoada?”.

Com um certo apelo para um blues, ‘New Heights’ é considerada por Ellie uma de suas favoritas, talvez por remeter ao momento de se valorizar. Porém, não é um dos melhores momentos do álbum. E como uma continuação, a próxima interlude, ‘Ode To Myself’, traz uma guitarra melódica e bem interessante para lembrar que tudo sempre foi pelos outros. 

A transição para ‘Woman’ é algo sutil e muito natural. Um dos momentos mais pessoais e maduros da tracklist, onde abusa de seus vocais doces e do piano para falar sobre o que enfrentou na carreira e o sobre o lugar de uma mulher na indústria musical.

Mudando radicalmente, e provavelmente de um modo proposital, tínhamos um abordagem da “mulher que ela é” e tudo isso muda com ‘Tides’. Aqui temos um lado jovial, eufórico, adolescente e com muita ousadia nos vocais. O soft-EDM característico de Ellie encontra aqui um lugar entre letras muito maduras.

Outra interlude nos prepara agora para a reta final do primeiro lado. ‘Wine Drunk’, traz de um jeito melancólico apenas vocais distorcidos para introduzir ‘Bleach’, outra balada de violão. Soando um pouco genérica na instrumental, trata de um tema que nunca fica velho: a situação de uma amiga que está na sofrência por um cara. O interessante da canção é a letra em que a cantora se coloca no lugar da amiga, além das brincadeiras com seus vocais mais crus.

‘Flux’, um dos primeiros singles oficiais do álbum, traz um pop melancólico típico da cantora. Foi lançado há mais de um ano e realmente nos lembra alguns sucessos de sua carreira como ‘Love Me Like You Do’. O refrão viciante se encaixa perfeitamente com o coral e orquestra, proporcionando um dos momentos mais extasiantes da obra.

O Lado A se encerra com a faixa-título. Um coral anuncia ‘Brightest Blue’, uma música extremamente otimista onde ela demonstra muito amor por si mesma e quer fugir deste mundo. Uma balada que soa como uma evolução de tudo que Goulding já fez em sua carreira. Onde os violinos dividem espaço com um batida que ganha muito poder e encerra essa parte de um jeito grandioso.

Já no Lado B, ‘Overture’ introduz EG.0 de um modo extremamente dramático e teatral, o alter ego que representa uma mulher extremamente confiante. Os violinos e coral dão o tom para uma das transições mais elaboradas para unir o Lado A ao lado mais comercial, e especialmente à faixa ‘Worry About Me’, colaboração com blackbear. Temos aqui um dos auges pop do álbum, cumprindo muito bem a missão de um dance pop para as rádios.

O clima cai um pouco com ‘Slow Grenade’, parceria com Lauv. Sonoramente talvez estaria “melhor colocada” no lado A. Realmente ouvimos um apelo muito grande para tocar em qualquer playlist. Falando em hit, ‘Close To Me’, parceria com Diplo e Swae Lee traz aquela Ellie radiofônica dos grandes sucessos.

Talvez a mais forte dos dois lados, ‘Hate Me’, feita com Juice WRLD alguns meses antes da trágica morte do rapper, musicalmente teria mesmo que ser o “grand finale” do álbum. Toda a fórmula de uma canção pop bem sucedida foi utilizada aqui: instrumental envolvente, refrão extremamente chiclete e repetitivo e um rap no meio. O vocal é angelical e está entre as guitarras marcantes, porém a letra extremamente agressiva: “Tem uma linha tênue entre todo esse amor e ódio”. E demonstrando muita confiança, EG.0 insiste: “Me fale o quanto você me odeia”.

Nas plataformas de streamings temos ‘Sixteen’ como bônus, um grande sentimento das aventuras da juventude. E isso também é refletido na produção que soa como o pop adolescente de 2010, chegando até mesmo a ficar deslocada do restante das músicas.

Fugindo daquele folktronic que Goulding foi conhecida em seus primeiros trabalhos, e muitas vezes até mesmo do soft-EDM. Em “Brightest Blue” a cantora mostra que seu amadureceu tanto como pessoa, como com sua música. É o verdadeiro triunfo de se encontrar e colocar isso como arte do melhor jeito possível! Vemos que ela encontrou como medir o seu lado mais íntimo como compositora ao lado comercial do “hit a qualquer custo”, demonstrando muita versatilidade.

Claro que para um trabalho ser grande nem sempre é necessário tanto tempo assim, porém, com certeza esse tempo todo foi necessário para Ellie Goulding entregar um de seus trabalhos mais encorpados da carreira. Apesar do elevado número de parcerias, temos um projeto muito conciso por si só. As músicas podem não agradar a todos (e nem têm essa intenção), porém vemos a necessidade de cada letra para a jornada de Ellie para encontrar a si mesma entre os relacionamentos que teve, ficar mais velha e o seu papel como artista.

Nota do autor: 80/100 

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