Após um debut marcante e extremamente original com o ‘#1’, Jaime de Souza Melo Junior, ou apenas Jaloo, lançou seu segundo disco de estúdio, o ‘ft. (pt 1)’. Ao contrário de seu primeiro disco, que foi produzido e composto inteiramente por Jaloo, aqui temos pelo menos uma colaboração em cada faixa do disco. Isso já nos dá uma noção do que a obra tende a apresentar.
Em #1 conhecemos o artista, seus ideais, suas vontades, anseios e alegrias. Em ‘ft. (pt 1)’ – featuring, traduzido para o português ‘colaboração’ -, saímos do autoconhecimento, e entramos na fase caótica, onde Jaloo narra o fim de um (ou vários ciclos), ao cantar por muitas vezes sobre o fim de um relacionamento do qual o desgastou por um bom tempo, o colocando em um misto de conflitos pesados demais para serem encarados sozinho e por isso aqui ele está acompanhado.
“Rompendo a barreira de seu próprio som”, como o próprio Jaloo diz, começamos o disco com ‘Dom’. A colaboração com Karol Conká e o produtor Pedrowl (Jão) tem uma letra explícita sobre a mensagem que quer passar e não é um acaso ela abrir a obra. Com versos objetivos e uma composição fantástica, Jaloo já explica de cara a razão do ‘ft. (pt 1)’ existir. Ele quer sair um pouco de si, dar uma extravasada, criar coisas e depois voltar a pensar sobre o que o aflige, isso se elas continuarem existindo. Em uma entrevista com a Bianca Dellafancy, Jaloo fala sobre esse sentimento e diz que quando está muito triste tende a tirar o foco de si mesmo e colocar em outras pessoas e projetos, e foi justamente dessa urgência de cura que o álbum começou a tomar forma.
Saindo de uma introdução como ‘Dom’, entramos em ‘Q.S.A’, um feat. com a incrível Gaby Amarantos e de longe uma das melhores do disco. A faixa fala sobre os grandes amores que passam em nossa vida e acabam indo embora, mas que nos marcam de alguma forma. É bem como Jaloo e Gaby cantam: “quero seu amor, mas não dá, o tempo não para”, por vezes encontramos pessoas incríveis pela vida, mas simplesmente não é o momento certo para entrar em uma relação, e isso é normal. “Tu sabe eu sou uma cilada, que de mim não dá pra esperar nada”, o famoso quero um mas quero todos.
Gravado em Alter do chão – Rio Tapajós, o clipe mostra paisagens deslumbrantes do estado do Pará em meio a danças, comemorações e o próprio processo de composição da música mostrando que: o tempo é uma flecha e esses dois não vão parar (ainda bem que não).
Logo em seguida, temos o dueto entre Jaloo e Mc Tha, sua grande amiga, uma das primeiras faixas lançadas antes do disco. ‘Céu Azul’ é uma ode aos encontros e despedidas que a vida nos prega e aqui apresenta a partida de Jaloo para outra fase de sua vida. Com uma letra complexa, autobiográfica e cheia de significados pessoais, Jaloo nos diz como foi deixar sua terra e partir para São Paulo, deixando o ‘céu azul’ do Pará e conhecendo a selva de pedra que é a capital paulistana, além de encontrar seu ‘ego bom’, amizade com a Mc Tha. Jaloo encerra a faixa em tom de orgulho e grande satisfação, sinalizando que conquistou e ainda vai conquistar seu lugar: “Que pro povo pobre, a vingança pode ser mel e prazer”.
Contrastando com a hesitante ‘Céu Azul’, Jaloo aqui sente até demais. Preso em um relacionamento com medo de magoar quem está perto, se sente fingindo algo que não consegue se liberar. Em ‘Dói D+’, parceria com o Nave, Jaloo tenta escapar desse ciclo vicioso e no meio do caminho sente uma dor imensa. O tom eletrônico com resquícios de referências paraibanas torna a música uma das mais marcantes do disco.
Indo e voltando da constante narrativa de amores e paixões, em ‘Sem V.O.C.E’ Jaloo se entrega de vez à falta de um amor na vida. A parceria com a Céu e o produtor Diogo Strauz fazem com que o dueto exemplifique o que o artista já disse em ocasiões anteriores, de que não gosta de se sentir sozinho, mas mesmo quando está com alguém, não quer estar realmente com alguém. Céu entra na faixa como um recado daquele que o deixou por alguém melhor, como o verso diz “mas eu não dou ponto sem nó e você vai saber que eu não tô só”. A combinação dos dois é incrível e isso só fica mais evidente no entrosamento da canção.
Saindo um pouco de sua zona criativa, Jaloo escolhe fazer um cover da banda Os Ticoãs de 1977 em ‘Atabaque Chora’. A faixa produzida por JLZ traz o som do instrumento que dá nome a faixa e se conecta diretamente ao propósito do álbum, falando sobre uma pessoa que sofre pela perda de um amor, mas quer sofrer em silêncio com seus próprios pensamentos. O consolo da música conversa cara a cara com os acontecimento narrados anteriores e foi uma ótima escolha de inserção, já que nada melhor do que fugir do seu próprio eu criativo do que um bom cover.
Assim como na faixa anterior, Jaloo revive o clássico ‘Cira, Regina e Nana’, do cantor Lucas Santana de 2010. Mas aqui, Jaloo canta ao lado do criador original, adicionando elementos característicos do tecnobrega e do eletro pop. Mesmo sofrendo e sofrendo por diversos amores (ou a falta deles), esse cover vem para dizer que Jaloo não está imune ao ato de gostar de alguém, e apesar de não se encaixar totalmente com a obra, versos da música conversam com o propósito final, o que torna esse momento do disco um pouco peculiar.
Jaloo sempre acerta em suas parcerias, todas colocadas de forma objetiva e por vezes com um entrosamento tão natural que fica evidente. Um exemplo disso é ‘Movimentá’ com a Lia Clark. Fugindo do tema de chororô, aqui temos uma celebração da hora de acordar pra vida e encarar o futuro, deixando o passado pra lá. Definitivamente um respiro gostoso e animado, com uma junção de ritmos impecáveis como o tecnobrega e o 150bpm.
Em ‘Eu Te Amei (Amo!)’ com a Dona Onete e Manoel Cordeiro – vulgo uma das melhores do disco -, Jaloo tem uma recaída. Quem nunca? Mesmo depois de superar, jogar a poeira pra fora, extravasar, o sentimento ali permaneceu e aqui temos a prova. Tanto que no final da música ambos cantam “Eu te amei… não não não, eu te amo!”. A música é tão sincera e emocional que é triste que não tenhamos um clipe com esse trio incrível (ainda…).
Com várias cenas do clipe gravadas na Índia, Jaloo apresenta uma das canções mais intimistas do disco (e da carreira) com ‘Say Goodbye’, parceria com o BADSISTA. Na produção pesada e letra forte, Jaloo admite que se perdeu no seu processo de autoconhecimento enquanto buscava por alguém de bem, se doando tanto pelo caminho que quase esqueceu qual era seu real objetivo com aquilo tudo. “Eu não me sinto uma pessoa boa mais, eu não me encontro, só me perco e tanto faz”.
Finalizando a obra, temos ‘Último Recado’, com participação e produção de Charles Tixier. A faixa é parte integrante da faixa ‘Despedida’, escrita com sua grande amiga Mc Tha e presente em seu disco, ‘Rito de Passá’. Jaloo escolhe encerrar o disco dando adeus a alguém que amou, e com ela, deixando ir uma parte de si mesmo que prefere nutrir o sentimento. É o encerramento perfeito de uma obra emocionalmente caótica, colada peça a peça em um tipo de carta aberta para quem possa se identificar com suas mais diversas nuances.
Jaloo é original e o que o torna assim é sua persistência em criar uma ruptura de sua própria barreira sonora. Desde sempre militando de forma sutil em sua arte, segue atraindo olhares por onde passa. O multiartista trouxe para o físico a dualidade de seu ser e continua explorando as diversas faces de sua camada artística, tornando prova disso o ‘ft. (pt 1)’.
Normalmente, quando um disco é repleto de combinações e colaborações, costuma se tornar bagunçado ou em alguns casos, sem coesão. Aqui acontece justamente o contrário: todas as adições feitas em cada uma das canções ajusta o tema um pouquinho mais fazendo com que o disco se torne uníssono, mesmo dialogando diversas partes de uma vida com visões variantes.