Descrever “Nomadland” com palavras é, basicamente, descrever de maneira técnica o que esse longa de Chloé Zhao evoca. Para qualquer pessoa sentir puramente a sinestesia dessa produção, é preciso assisti-la. Óbvio que isso serve para qualquer outra obra, porém, com essa aqui, tudo é transmitido através de uma percepção única e que mais do que nunca, merece ser contemplada e transcrita unicamente, como foi concebida. O vencedor de Melhor Filme, Melhor Atriz (com a Frances) e Melhor Direção (com a Choé) não poderia deixar de ganhar uma review aqui no ESC para a nossa cobertura especial (confira todas aqui) – e por isso, a seguir a gente desmembra um pouco da imensão desse longa.
Em suma, “Nomadland” conta-nos a história de Fern (Frances McDormand), que após perder o seu marido e o emprego com o encerramento da empresa onde trabalhou por anos (a Empire), decide se tornar uma nômade moderna. E agora, ao lado da Vanguard, sua van, ela passa a se complementar com os amigos que faz no caminho.
Fern e as pessoas que passam por ela
Complementação essa sobre conexões que exigem uma avaliação de quem assiste, já que é simples dizer que Fern viveu presa aos motivos que a seguravam em sua casa, e analisar esse fato só por cima é quase que banal, porém, a personagem diante de uma trama simples e que escorre pelas nossas mãos preenchendo todas as lacunas possíveis, esbanja na maior parte do tempo o quanto a sua escolha de viver de tal maneira não é a que mais encaixa em si, mas sim, a que sempre esteve consigo.
Se casar cedo, ir embora de casa e sair para explorar o mundo (ainda que de maneira básica até então) só monta o tabuleiro para a ideia de que Fern desde sempre precisou de conforto, e isso só veio acontecer após ela entender que estava presa (ao seu estilo de vida e não ao seu marido, com quem deixa claro que é uma parte de si, afinal, nunca tirou a aliança que representa um ciclo sem fim).
E decidir passar a viver como uma nômade nada mais foi do que uma escolha, e Zhao (que dirige, escreve, edita e produz o longa) não poupa em dizer isso de maneira não explícita, usando a semiótica. A decisão de Fern é um modo de viver, e não a sua única opção. Por isso, a direção enaltece com planos, locações, pessoas e situações, que o que estamos vendo é um retrato neutro, nos é mostrado de maneira única, trazendo com leveza e minimalismo como são as pessoas para a protagonista, melhor; o que faz de Fern ser quem ela é, devido as pessoas.
As conexões que a personagem cria (os momentos com sua amiga, Linda, e também com Dave, são espetaculares por carregarem conforto), refletem diretamente e indiretamente em quem ela é, ou está buscando ser. É tudo majoritariamente sobre explorar o mutável e redescobrir sobre quem está ao nosso lado.
Zhao, McDormand e passado
Zhao modela a narrativa do seu filme com toques e comunicações que vão muito além do que se é possível captar em tela. São planos vazios com poucas pessoas, vans e uma imensidão de histórias capazes de dizer muito sobre como a diretora explora o que tem em mãos e, isso se reproduz com vastidão através de um roteiro sem delongas, que transmite o que deve e somente isso; através da direção (há momentos em que o sol acompanha Fern por vestígios pequenos, mas esbeltos e que dizem muito); e claro, através de Frances McDormand.
McDormand ungida ao que a diretora transmite com sua percepção complexamente pregada a inúmeras dualidades, mostra uma personagem feroz, não externamente, porque o que a atriz mostra é um contato esplendoroso com o que a personagem exige através de uma perfomance clara e delicada, mas densa e estrondosa ao mesmo tempo. O que a atriz não exprime por fora, o telespectador consegue entender devido a uma gama de momentos que fazem da Fern ser alguém simples repleto de pontos de interrogação.
E é isso que “Nomadland” transparece desde o seu princípio: a ideia de que o que vem a seguir é baseada no que o nosso passado nos conta. Isso e outras várias realizações do filme, o fizeram ser destaque na 93ª cerimônia do Oscar, onde levou três dos maiores prêmios da noite, incluindo Melhor Filme. É um misturado idealizado perfeitamente com o que a premiação mais preza (às vezes), e foi de fato, um dos nomes mais potentes entre os indicados.