É sempre muito engraçado reparar nas reações das pessoas, principalmente os mais velhos, quando me perguntam e respondo sem pensar em qual é minha série favorita. Não minto e nem tenho vergonha de falar que é Buffy: A Caçadora de Vampiros — ou The Vampire Slayer, em inglês — protagonizada pela maravilhosa Sarah Michelle Gellar. E por favor não confundir com o filme de 1992, pois estou falando da série aqui.
Lembro a primeira vez que assisti e como foi incrível viver tudo aquilo pela primeira vez. Aprender sobre a mitologia e tudo aquilo que rondava o universo de Buffy era incrível mesmo sendo uma série de extremo baixo orçamento dos anos 90. Recentemente reassisti e isso mudou muito minha percepção sobre a série.
Poderia passar horas e mais horas fazendo um parágrafo de como foi difícil passar da primeira temporada, agora vendo o que é pelo que realmente é. Nunca entendi porque foi gravado no formato 3:4. Apesar do baixo orçamento, como os efeitos visuais eram terríveis… essa primeira temporada faz juz ao estilo “trash” do qual a série hoje se encaixa perfeitamente.
À primeira vista, Buffy pode parecer um clichê adolescente dos anos 90 cheio de falha de roteiro e efeitos, não que também não seja, mas o que diferencia a série de muitas atuais é a habilidade peculiar em contar a sua história. Buffy apresenta em todas suas temporadas, até mesmo na primeira (que é ruim que dói), um storytelling impecável. Mas para além do storytelling impecável, a série nos apresenta o peso da responsabilidade que a seguiria até hoje.
Uma das coisas que diferencia esse clássico dos demais é como, apesar de colocar todos os personagens em perigo, o criador e roteirista Joss Whedon fez com que cada escolha que os personagens fizessem, suas consequências seriam “reais” para a história, mesmo aquelas escolhas que parecem bobas à primeira vista. Na série, vemos o uso recorrente da tragédia exagerada para construir o roteiro e criar uma conexão com o telespectador. Até às mortes de personagens queridos — ou nem tanto.
No livro A Anatomia da História, seu autor John Truby cita “A chave da narrativa é aumentar o senso de potencial do herói e do potencial perdido, ao mesmo tempo em que mostra que as ações do herói são de sua responsabilidade”. Essa é a melhor definição que podemos ter para a série, que foge, apesar de usar em determinados momentos, da glamourização da tragédia e nos revela que muitas decisões imporantantes que tomamos são impostas a nós sem nossa permissão — assim como Buffy (Sarah Michelle Gellar) quando lhe é dita que é a Escolhida e é sua função ‘salvar o mundo’, mesmo sem treinamento ou ajuda.
A série traz um ótimo questionamento sobre “ser adulto” e em diversos momentos, ainda mais jovens, rola uma certa identificação, seja ela proporcionada em muitas conversas que Buffy tem com Joyce (Kristine Sutherland), sua mãe, ou em atitudes e decisões duvidosas que vão acarretar em situações que poderiam ter sido evitadas.
Episódio após episódio a protagonista enfrenta as consequências do seus atos como uma pessoa adulta, e na segunda temporada em específico mostra de forma clara essa transição da protagonista se tornando… uma adulta. Em ordem de se tornar a slayer (ou caçadora, se preferir) ela precisou fazer o impossível. Na vida real, ser adulto é fazer o que precisa ser feito mesmo que em muitas vezes isso te desagrade.
Reparando nisso, você percebe que a série se desenvolve muito mais em cima desse crescimento emocional do que no lado ficcional da história. Os acontecimentos da segunda e terceira temporada serviram para amadurecer todos os personagens e abrir portas para o futuro incrível que Buffy e Angel (David Boreanaz) tiveram e suas séries — sim, Angel ganhou um spin-off de grande sucesso também, tá disponível no Star+.
As temporadas seguintes fortalecem ainda mais as relações dos personagens com o amadurecimento individual de cada um e é nisso que a série se diferencia das atuais, onde o foco se rodeia mais no sentido apelativo de tragédia, sem criar o cenário que possibilita às pessoas que assistem de se conectar com os sentimentos dos personagens em cena, o que deveria ser essencial para qualquer produção.
Mas, para além disso, um dos grandes marcos da série é com certeza a representatividade LGBTQIA+ em tela, ainda mais para época que era exibido em que mal era falado, como se fosse algum tipo de assunto proibido. Joss Whedon, junto de sua equipe de roteiristas, sempre tiveram uma leveza muito boa em adicionar personagens queers na história, com inserções de vilões e até um dos protagonistas se assumindo ao decorrer da série, tudo sendo tratado com bastante naturalidade e destaque. Para época, Buffy foi uma das poucas séries a tratar sobre diversidade de forma tão aberta e desimpedida, trazendo pontos de vista do quais hoje permenecem essenciais nas telas.
Em 2022 a série completa 25 anos e segue sendo um marco na cultura pop, seja por sua contribuição na narrativa de diversidade, seus personagens icônicos replicados em diversos outros projetos, seu estilo trash que a impulsiona para o clássico. Buffy segue sendo usada como referência em diversas ocasiões e consagrou atrizes de rostos conhecidos por todos hoje em dia, Sarah Michelle Gellar e Alyson Hannigan.
Após seu grandioso fim — e doloroso aos fãs —, a série teve continuidade nos quadrinhos e continuou por mais quatro temporadas, ganhando spin-offs inéditos de Angel, Faith, Willow e muitos outros. As temporadas tradicionais estão disponíveis completas no Globoplay e Star+, Angel está disponível exclusivamente no Star+.