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Caetano Veloso e Maria Bethânia celebram o ontem e o amanhã em nova turnê

Celebrando o velho e o novo: a turnê Caetano e Bethânia começa a ganhar os contornos de uma experiência memorável e histórica

No último sábado (7), cerca de 50 mil pessoas lotaram o Estádio Mineirão, em Belo Horizonte, para acompanhar de pertinho o show de Maria Bethânia e Caetano Veloso. Com ingressos esgotados, evento na capital mineira foi o segundo da turnê que celebra a carreira dos irmãos, e ainda passará por locais como São Paulo, Brasília e Salvador.

Levou um longo tempo ambos novamente dividirem um palco, o que é compreensível diante dos projetos milhares de paralelos de cada um. Finalmente, aconteceu. E, em meio a grande onda, quase exaustiva, de turnês comemorativas, de despedida ou reuniões exclusivas que tomou não só o Brasil nos últimos anos. Porém, no caso dos irmãos, a última impressão passada é de ser só mais uma — o tom era de uma oportunidade única e, spoiler: ela realmente é. 

Caetano e Bethânia (reprodução)

Dividida entre momentos de apresentações solo e juntos, além do aporte de uma banda que potencializou no ao vivo cada escolha da setlist, por pouco mais de 2h, Caetano e Bethânia entregam sintonia ao unirem as próprias singularidades artísticas na entrega de um show inquestionavelmente impressionante.

“Arroz de festa” (e um senhor arroz, diga-se de passagem), um moderninho Caetano já está mais habituado aos palcos de festivais, grandes espaços e a energia de eventos grandiosos no sentido de público. Carisma natural, habilidades de um showman com décadas de experiência e uma sequência fortíssima de hits são motivos de sobra para explicar o arrastar de multidões. Neste espetáculo, a série que ele apresenta em solo conta com alguns deles, como Cajuína, Sozinho, e O Leãozinho, unindo todos os setores do estádio em coro ao cantor.

Momento curioso, porém, é ao final dessas apresentações, quando entra a canção Deus Cuida de Mim, parceria dele com o pastor Kleber Lucas. Inclusive, ao agradecer pelo feat, o próprio Caetano menciona curiosidade com o crescimento e o universo evangélico no Brasil. Algumas pessoas vaiaram — outras, cantaram cada frase da música. Ainda sim, é interessante observar como Veloso está em todos os lugares, vivendo tantas experiências, trazendo tantas facetas para a própria obra e, assim, também estando sob a possibilidade de diferentes recepções e sensações provocadas. Afinal, após o show, o público deixou o estádio ao som do Funk  MTG — Você é Linda, parceria lançada recentemente com o produtor e DJ mineiro Davi Kneip). 

Por outro lado, sobrava expectativa para saber como seria a experiência de ver Bethânia nesse espaço gigantesco: logo ela, tão acostumada a shows intimistas em lugares reservados nos quais ela arquiteta, executa e controla da banda à audiência. Tal dúvida, porém, é facilmente respondida quando ela, ao menor sinal de abrir a boca, conseguiu mutar um estádio inteiro. 

Se o público vibrou em “Alegria, Alegria”, “Tropicália” ou “Gente”, e cantou junto fervorosamente nos maiores sucessos de Caetano, é nas performances com destaque na Maricotinha que o público foi dobrado pela voz límpida e imponente, pelo charme dos menores movimentos, e os sorrisos que não poupou diante do silêncio que era interrompido somente por gritos e aplausos fervorosos ao fim de cada canção. Bethânia, na mais tranquila das expressões, fez estádio virar teatro. Com direito a troca de look e sem parecer esboçar desconforto num terninho de veludo (Belo Horizonte chegou a bater 32 graus no dia), reforçou a magnitude de sua própria obra ao som de obras como Explode Coração, As Canções que Você Fez Para Mim e Brincar de Viver.

Falando em movimento, pouco disso foi necessário, fisicamente falando, para que o estádio fosse arrebatado. São dois microfones em pedestal e Veloso e Bethânia cantando sem muitas pausas — há uma contação de história ali, cumprimentos acolá e um destaque merecido para apresentação da banda afinadíssima e cheia de energia que os acompanha. 

Caetano e Bethânia (reprodução)

E isso pouco atrapalha o resultado final. A setlist envolvente passeia pelos sucessos da Tropicália, homenageia Gilberto Gil (que, aliás, sairá em turnê de despedida no próximo ano), Raul Seixas e a eterna Gal Costa, além de um aceno carinhoso à época dos Doces Bárbaros. Passeia por Dona Canô, enquanto mãe da dupla e artista que ela também foi, e odes à Mangueira e às religiões-afro brasileiras em algumas das composições mais bonitas selecionadas, como Milagres do Povo e Eu e Água. “Fé”, da Iza, também figurou nas escolhas e é uma das adições moderninhas presentes; e ficou ótima na interpretação dos dois, diga-se de passagem.

Caetano já é conhecido por seus posicionamentos políticos e o papel emblemático de sua obra e figura, algo que se iniciou na Ditadura Militar e segue até hoje. Dessa vez, não houve declarações ou pausas nesse sentido entre uma música e outra — mas diante das próprias canções e do papel histórico representado por várias delas, o reforço vem é pela memória sobre como todos esses aspectos se embrenham em tais obras indiscutivelmente.

O público, claro, é parte importante para os acertos. Além do envolvimento apaixonado, foi possível encontrar casais, grupos de amigos, pais e filhos, jovens, adultos, idosos — uma antiga geração encontrando a nova, vendo pela primeira vez ou pela décima. Afinal, gente é mesmo para brilhar. O teste do tempo não é uma questão para Maria Bethânia e Caetano Veloso, pois, incontestáveis medalhões da música brasileira, conseguiram manter suas respectivas obras imaculadas. Sem perder a essência, ainda encantarão muitas gerações.

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