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Crítica | Fresno, “Eu Nunca Fui Embora” (Parte 1 e 2)

Em “Eu Nunca Fui Embora”, Fresno abraça a modernidade sem se desprender da sua essência, criando uma fusão de sons que reflete sua versatilidade

Durante mais de duas décadas de carreira, a Fresno sempre se mostrou aberta a reinvenções. Desde seus primeiros passos no cenário emo/rock do Brasil até a transição para sonoridades mais maduras e complexas, a banda se mantém atual sem abrir mão de suas raízes emocionais. “Eu Nunca Fui Embora” —suas duas partes— exemplificam essa jornada, provando que eles ainda têm muito a dizer e a fazer.

O mais recente trabalho de um dos maiores nomes do emo brasileiro, “Eu Nunca Fui Embora” é dividido em duas partes. A Parte 1 foi lançada em abril de 2024, enquanto a Parte 2 chegou ao público em setembro de 2024, ambas contendo sete canções.

A faixa-título abre a primeira parte com uma nostalgia moderna, pois a letra remete bastante aos primeiros trabalhos da banda gaúcha, como “Redenção”, de 2008, quando o tema da desilusão amorosa dominava a lírica — às vezes até adentrando um pouco o território da vergonha alheia. A sonoridade, no entanto, está atualizada, incorporando a pegada mais eletrônica e pop do álbum anterior, “Vou Ter Que Me Virar”, de 2021.

Um momento interessante do disco é a participação de Pabllo Vittar em “Eu Te Amo / Eu Te Odeio (IÔ-IÔ)”, no qual a cantora entra no verso após o primeiro refrão com sua já conhecida tag “Vittar” sussurrada e um estilo mais familiar aos seus trabalhos pop, mas a transição é suavemente feita até chegar na ponte da música, quando retornam as guitarras e o som distorcido apresentado na parte inicial da canção, casando a potente voz da Pabllo com o som do rock mais pesado.

A produção cuidadosa do vocalista Lucas Silveira dá o tom do álbum, deixando o registro bastante coeso e coerente. O recurso das transições contínuas entre as faixas é utilizado aqui de maneira inteligente, alternando entre elementos eletrônicos, como em “Quando o Pesadelo Acabar” e “Me And You (Foda Eu e Você)”, e apenas os reverbs dos instrumentos e do vocal, como nas transições de “Camadas” para “Era Pra Sempre”. O monólogo “INTERLUDE” encerra o disco com a frase-chave “eu nunca fui embora”, preparando o ouvinte para a segunda parte.

“Eu Nunca Fui Embora – PARTE 2”, lançado cinco meses depois, eleva essa narrativa a um novo patamar, com uma exploração mais ousada de sonoridades e temas. Superior à Parte 1, o registro cresce muito com as diversas participações e com letras mais maduras, algumas delas lembrando as composições da era intimista e melancólica do álbum “sua alegria foi cancelada”, de 2019.

A canção “Se Eu For Eu Vou Com Você”, com a presença do coetâneo NX Zero, traz uma energia nostálgica para quem acompanhou a cena emo do Brasil nos anos 2000, celebrando uma amizade e uma trajetória compartilhadas. Apesar de não ser nada fora da caixinha, é um verdadeiro presente para os fãs de ambas as bandas e do cenário.

“Essa Vida Ainda Vai Nos Matar” conta com a colaboração da banda capixaba Dead Fish, uma das mais importantes do hardcore brasileiro. A participação deles adiciona uma intensidade visceral à música, trazendo os famosos gritos — ou screamos — de ambos à tona no refrão e resultando em um dos momentos mais bacanas do disco.

Fresno e Pabllo Vittar (reprodução)

A Fresno também dá continuidade à sua icônica série de faixas “Diga”: após “Diga – parte 2”, lançada em “Infinito” (2012), e “DIGA – PARTE 1”, registrada oficialmente pela banda em “INVentário” (2022), a música “Diga Parte Final”, uma colaboração com Filipe Catto, completa esse acervo de versões. Ponto alto do registro, o encerramento dessa “trilogia” é agridoce e carregado de emoção, finalizando um ciclo que começou há mais de 10 anos. A maturidade na composição e a entrega vocal de ambos nessa faixa demonstram como a Fresno expandiu tanto musical quanto emocionalmente ao longo das décadas.

A canção que encerra o álbum é “Camadas”, já apresentada na parte 1, mas agora com a participação especial (e inusitada) de ninguém menos que Chitãozinho & Xororó. As vozes sertanejas eternizadas em nossas mentes, aliadas ao emo da Fresno, proporcionam definitivamente uma experiência única.

Com “Eu Nunca Fui Embora” completo, Fresno reafirma sua relevância ao adaptar sua sonoridade e suas letras às mudanças do cenário musical sem perder a essência emocional e melódica que sempre marcou sua identidade. Os álbuns dialogam com os sentimentos nostálgicos do público que acompanha a banda desde os anos 2000, mas também conquistam novos ouvintes com a estética contemporânea que permeia suas faixas.

O emo está novamente em alta, mas há alguns anos o quadro não era esse. Mesmo assim, a Fresno permaneceu na ativa, fazendo suas adaptações e evoluções, mas sempre mantendo a essência. Eles estavam ali, eles nunca foram embora.

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