Crítica | Daparte, “Baterias de Emergência”

Em amadurecimento evidente, banda avança em direção a uma identidade sólida enquanto explora possibilidades

“E o final, eu já sei: essa lei de não repetir”, diz a letra de “Baterias de Emergência“, faixa que leva o mesmo nome do terceiro disco de estúdio dos mineiros da Daparte. E se, de cara, for para resumir o trabalho mais recente do grupo, esta frase seria uma boa opção.

A banda, formada em 2015, estreou o primeiro disco em 2018, Charles.  Influências de jazz, RnB e Rock Alternativo foram de encontro ao Clube da Esquina (álbum homônimo e artistas do movimento, para clarificar). Para finalizar o combo mineiridades, uma simpática capa repleta de referências a Minas Gerais deu cara a um projeto simpático, doce, mas que mostrava que havia espaço de sobra para crescimento e desenvolvimento de personalidade, com tantas munições à mão: todos participam nas composições e arranjos, dividem os vocais a depender da faixa. Pareciam estar quase lá.

Em Fugadoce, de 2021, boa parte disso avançou: é o lar de hits como “Eu Nunca Fui Desse lugar”, com os também mineiros da Lagum, “Iaiá” e “Você Gosta Dela””, e também apresentou um lado mais contemplativo em  músicas como “Acrobata” e “Carnaval”, que, positivamente, lembra as baladas mais dramáticas do Skank.

Porém, é agora, em Baterias de Emergência, que o quinteto parece mais afinado e em sintonia do que nunca. Em contrapartida, está como pano de fundo a juventude de seus integrantes, escancarada diante dos dilemas e conflitos da vida jovem-adulta que atravessam a obra. Tem seus dias de pessimismo, como em “Notas Sobre o Mau Humor”, mas essa seria uma definição rasa para o que a Daparte tem a dizer. 

É na solidão dos 20 e poucos anos e na constante expectativa sobre o outro, por exemplo, que se apoiam faixas como “Meus Poucos Amigos”, “Invisível” e “Vazio”. Passeia, também, por sentimentos típicos não só da idade, mas talvez do ser humano, como tentar prever o mundo a sua volta — assim como a frustração ao não conseguir fazê-lo. Longe da vida e da adrenalina de shows, a rotina monótona e a sensação de não sentir bem onde se encaixar no mundo ganha um novo peso. Ainda que tão moderno, temas assim são antigos — não saber quando se comunicar, se sentir incompreendido.

Em meio ao new wave oitentista, mais influências alternativas e novas experimentações em faixas lentas e deixando cada vez mais o only-acústico de lado (o que não é demérito, apenas denota outra direção), é distante do Clube da Esquina que todos esperariam quando o nome é mencionado que, a um ouvido atento, seja possível se conectar com outras facetas. Algumas que, alías, 50 anos atrás, também já eram trabalhadas, como os dilemas nas mudanças mais bruscas nas fases da vida — algo que Lô Borges trabalhou com grandes destaques em obras como no famoso “disco do tênis”. 

Mais afastados de reproduzir uma estética de mineiridades da forma mais estereotípica possível, é nas nuances que se reproduz uma ambientação que não deixa de lado as conexões e buscas da banda em se manter conectada com seu berço — “Belo Horizonte”, colaboração com Ana Caetano, do Anavitória, que prova isso facilmente. No fim do dia, e talvez neste momento, seja a cidade que, além de tudo isso, é a figura que sufoca, e em dias assim, nem ela por ela mesma é capaz de salvar. Nem por isso, deixa de ser parte desse universo.

Esse, com certeza, é um ponto de virada para a Daparte: são quase 10 anos em atividade e o interessante é ver como esse progresso vem se traduzindo em trabalhos cada vez melhor polidos, mais ricos em escrita e em experimentação. “Ultravioleta” e “Lâmina Cega” são excelentes números pop que resumem bem essa pegada do álbum. Este, é, até o momento, o fruto que melhor exterioriza isso, com composições sinceras, sem timidez, vulneráveis. Sentir a honestidade de um desabafo bem orquestrado é revigorante.

90/100

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