A ascensão das animações brasileiras: o mercado, os desafios e as produções no radar

O que esperar da ascensão do setor de animação brasileiro dentro e fora do país e quais produções podemos ficar de olho

Você já conhece “Turma da Mônica”, “Sítio do Picapau Amarelo” e “Irmão do Jorel”, clássicos absolutos do Brasil, mas quais outras animações do nosso país você também conhece? O setor de produção audiovisual em animação brasileiro segue em ascensão, ganhando até mesmo destaque internacional. O que esperar da ascensão desse setor e quais produções podemos ficar de olho?

Em 2024, algumas produções e projetos em desenvolvimento em São Paulo ganharam destaque no prestigiado Annecy International Animation Film Festival em uma apresentação especial, provando como o próspero cenário de animação do Brasil tem se destacado ao redor do mundo, com títulos sendo divulgados, exibidos e premiados em grandes eventos internacionais além do Annecy, como Palm Springs, San Sebastian e o Quirino Awards. A série “Acorda, Carlo!” do Copa Studio, disponível na Netflix, foi indicada ao Emmy Internacional e “Bia e os Beats” do Birdo Studio conquistou o primeiro lugar no Pitch do MIP Júnior, uma das competições internacionais mais relevantes no cenário da animação mundial.

“Astronauta” (2024)

Outras produções importantes que foram lançadas nos últimos anos incluem “A Outra Forma” (2022), uma animação brasileiro-colombiana que retrata uma distopia onde as pessoas, para adentrar a um paraíso construído na Lua, devem se tornar literalmente quadradas. “Lino: Uma Aventura de Sete Vidas” (2017), que se tornou a animação nacional mais vista da história em nossos cinemas, “Mundo Proibido” (2022) exibido no Shanghai International Film Festival e conta sobre dois aventureiros espaciais que partem em uma perigosa jornada pela galáxia em busca do misterioso Mundo Proibido, “Placa-Mãe” (2024) que se passa em um futuro próximo no interior de Minas Gerais, onde uma andróide com cidadania brasileira conquista o direito de adotar duas crianças, e “Arca de Noé” (2024), a maior animação já produzida pelo Brasil, com poderoso elenco de voz e estilo visual. Na televisão, destacam-se “Irmão do Jorel” (2014), “Oswaldo” (2017), “Ninjin” (2019), “Clube da Anittinha” (2018), “Peixonauta” (2009), entre outros.

Grande parte desse crescimento do mercado se deve a criação de uma lei pela Agência Nacional de Cinema e Televisão (ANCINE) em 2011, em que diversos canais infantis de TV a cabo foram obrigados a desenvolver séries originais brasileiras, em sua maioria desenhos animados. Bruno Gondim Luna, diretor de arte que trabalhou em grandes projetos de animação como “Astronauta” (Max, 2024), “Turma da Mônica” (Cartoon, 2012) e “Sítio do Picapau Amarelo” (Cartoon, 2012) conta em conversa com o esc que a lei abriu espaço para novos estúdios, ampliou as oportunidades para criadores e permitiu que produções nacionais atingissem grande audiência, mas o setor ainda enfrenta desafios. 

“Ninjin” (2019)

“A pandemia impactou bastante, paralisando projetos e dificultando a vida de estúdios menores. Além disso, as políticas culturais do governo Bolsonaro prejudicaram o setor ao desmontar mecanismos de apoio, como a Ancine. O streaming ajudou a movimentar o mercado, mas muitos contratos ainda são desvantajosos para os criadores e com lucros centralizados fora do país,” contou Gondim exclusivamente ao escutai. Por esse motivo, a maioria dos projetos contam com orçamento, equipe ou estrutura restritos, mas nada que impeça os profissionais da área a encararem os desafios e desenvolverem novas técnicas para viabilizar a visão dos criadores e diretores.

Nos anos 90, o celulóide, que era usado na produção de animações, precisava ser importado dos Estados Unidos ou do Japão por cerca de $1 dólar cada folha, um preço exorbitante para as equipes que não tinham recursos suficientes. Então os animadores do Brasil foram pioneiros e migraram para o digital com softwares primitivos, que faziam os desenhos animados terem a estética mais caseira, parecida com os clássicos jogos em CD-i, como “Hotel Mario”. Alguns desenhos que usaram essa técnica foram “Smilingüido” e “Turma da Mônica”. Além disso, o primeiro longa-metragem de animação 3D feito inteiramente por computadores foi brasileiro. Apesar de “Cassiopéia” (1996) ter sido lançado quase três meses depois de Toy Story (1995), os estadunidenses usaram moldes de argila que foram escaneados digitalmente, enquanto a produção brasileira foi totalmente realizada em CGI, sem nenhum escaneamento exterior de imagens ou vetorização de modelos reais.

“Smilinguido” (1995)

Segundo Bruno Gondim, o Brasil já se consolidou como um importante polo criativo, não apenas pela qualificação de sua mão de obra, mas também por sua capacidade de desenvolver projetos autorais de qualidade. “Essa realidade nos coloca em uma posição vantajosa em comparação a países como Índia e Coreia do Sul, que, embora sejam conhecidos pela produção voltada ao mercado externo, ainda carecem de grandes projetos nacionais de grande impacto. Aqui, diversas animações têm alcançado êxito tanto no mercado interno quanto no internacional, com as plataformas de streaming contribuindo para ampliar o alcance dessas obras para uma audiência global,” completou.

Além dos reconhecimentos já citados no último ano, o Brasil vem se destacando desde a última década em prêmios internacionais de renome. Dois longas venceram o prêmio no Festival de Annecy em sequência: “Uma História de Amor e Fúria” (2013) e “O Menino e o Mundo” (2014), que também conquistou a indicação ao Oscar de Melhor Animação. Também vale citar outros títulos que ganharam atenção internacional, como “Guida” (2015) e “Tito e os Pássaros” (2019).

“Entre Estrelas” (2025)

“Para que o setor continue avançando, é fundamental assegurar que canais e plataformas de streaming ampliem os investimentos em produções nacionais e ofereçam condições justas aos criadores. Nesse contexto, a regulamentação das plataformas, como já acontece em países como a França, torna-se indispensável para fortalecer a indústria e valorizar a nossa produção,” afirma Gondim. Atualmente, ele está trabalhando como Diretor de Arte em um projeto chamado “Entre as Estrelas”, que engloba um filme e um jogo com temática indígena brasileira.

A história segue as irmãs Ari e Tai em uma jornada marcada pela amizade e resistência, exaltando a riqueza da cultura indígena enquanto nos faz refletir sobre questões socioambientais, como o desmatamento e os impactos das atividades do homem branco nos territórios dos povos originários. “Este projeto carrega uma grande responsabilidade, especialmente no cenário atual do Brasil, onde os povos indígenas continuam sendo atacados e negligenciados de diversas maneiras”, completou Bruno.

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Animações brasileiras para ficar de olho

“Entre as Estrelas” está entre as próximas grandes produções de animação brasileiras que devemos ficar de olho. Selecionamos na lista abaixo mais algumas outras animações que devem estrear nos próximos anos, levando o Brasil a continuar a brilhar no mercado internacional:

Arlindo

Baseado no aclamado gibi brasileiro de Luiza Souza, “Arlindo” é um longa-metragem sobre amadurecimento que entrelaça a vida adolescente com nostalgia e representação queer. Ambientado em 2007, acompanha Arlindo, um garoto do interior do nordeste brasileiro, navegando pelo amor e pela aceitação. Com estreia prevista para o final de 2026.

Nemito

“Nemito” é uma “aventura introspectiva de ficção científica tropical” ambientada em uma São Paulo futurística. Atualmente em produção, o filme está previsto para ser lançado em fevereiro de 2025. Codirigido e escrito por Eryk Souza e Ivanildo Soares, este projeto independente observa a vida de um jovem entregador navegando em uma economia movida por aplicativos. Quando Nemito encontra um gadget que revela os sons ocultos de objetos, ele entra em um estado hipnótico, explorando o mundo novamente. Ele faz um mix das estéticas tropical de futurismo e solarpunk, misturando o sabor brasileiro com a estética da animação japonesa.

Abá e Sua Banda

Depois de desafiar seu pai, Abá segue com seus amigos Juca (o caju que toca gaita, na voz de Robson Nunes) e Ana (a banana, que ganhou vida por Carol Valença) numa viagem para o Festival de Música da Primavera. Juntos, eles vão enfrentar os planos de Don Coco. Estreia em 2025 nos cinemas.

O Pequeno Macaco Monge

Lançado pela primeira vez em 2023 no Rio2C e Series_Lab, este projeto foi criado por Fe Brandão e Gui Oller. É um desenho que segue as aventuras de um pequeno macaco treinando para se tornar um monge, assim como seu mestre Llama Lama. Mas, assim como qualquer criança de 4 anos, ele é uma criança agitada. A paleta de cores tranquila e os designs de personagens suaves e fofinhos são complementados por uma iluminação quente e animação fluida, criando uma atmosfera calmante projetada para trazer paz e serenidade aos jovens espectadores. Sem estreia definida.

Letra de Mão

Pelo diretor Radhi Merron, “Letra de Mão” é um curta-metragem sobre uma professora do ensino fundamental que misteriosamente perde a capacidade de ler e escrever. A história, inspirada nas próprias experiências de ensino de Radhi, explora temas de educação, linguagem e conexão.

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Quer mais? Confira essa lista no Letterboxd das animações nacionais (longas, curtas e especiais de todos gêneros), das mais recentes até as mais antigas, e apoie esse setor que ainda tem muito a crescer no mercado.

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