Lady Gaga leva o caos de seu encanto teatral para o deserto

Disputando entre seus alter-egos e evocando as teatralidades que a destacaram na indústria da música, Lady Gaga faz o show mais coerente e completo de sua carreira no Coachella.

Um plano cancelado em 2020 levaria um set surpresa inspirado no colorido e fantasioso universo de Chromatica para o deserto, em uma apresentação inebriante no Coachella. O set seria a segunda vez de Gaga no festival, depois que a gravidez de Beyoncé fez com que a ítalo-iorquina assumisse a programação de última hora. O set de 2017 entregou o proposto: em meio a era Joanne vimos uma Gaga com uma apresentação mais sóbria. Muitos hits, algumas coreografias, um show competente mas não muito além disso. Não até agora.

Oito anos depois chegamos ao sétimo álbum e, com ele, um agendamento em tempo hábil para a preparação de um espetáculo que a carreira e o legado de Gaga merecem. Anunciada como “O Caos no Deserto”, Mayhem, o novo disco, chegaria em uma apresentação em grande estilo nas areias da Califórnia.

Iniciando o show com o “Manifesto de Mayhem”, que remete à outros manifestos da carreira da artista, como o icônico “Manifesto dos Little Monsters”, que acompanhava a The Monster Ball Tour, dessa vez a introdução nos apresentava a dualidade que seguiria a apresentação, a dicotomia das personalidades e ações mais sombrias e puritanas, o vermelho e o branco, Gaga e a Lady in Red: Mayhem.

Com o sucesso no Tiktok, “Bloody Mary” já dava o tom da apresentação na primeira canção do espetáculo: mais sombrio, operático e teatral. Para os fãs mais antigos a animação foi instantânea: a última vez que vimos uma Gaga tão dramática foi na aclamada era Born This Way, em 2011. O palco que remontava um teatro vitoriano e a cantora sobre um vestido de metros de altura, os vocais acompanhados de uma orquestra e a energia dark também trouxeram “Abracadabra” e “Judas”, seguidas da icônica “Sheiße”, “Garden of Eden” e “Poker Face”, que apesar de estar em praticamente todos os shows da cantora há anos, ganhou uma performance eletrizante em um jogo de xadrez. Na canção, Gaga e seus dançarinos se dividiram em dois lados para se enfrentar cara a cara, e em uma coreografia deliciosa, vimos a artista duelar contra uma versão sua muito parecida com alguém que conhecemos no clipe de “Bad Romance”.

O segundo bloco veio tão criativo quanto —com Gaga dentro uma caixa de areia do deserto acompanhada de caveiras para uma performance magnética de “Perfect Celebrity”, que poderia muito bem ser até um clipe. O caos de Mayhem seguiu com “Disease” e as caveiras voltaram à vida, em uma coreografia interessante que deu à canção a performance ao vivo que ela tanto merecia. No fim da canção, Lady in Red, voltou para um duelo contra Gaga, que preparou a cantora para uma performance emocionante de “Paparazzi”. Com um figurino que remontava ao clipe da canção, a versão ao vivo ganhou uma roupagem mais lenta e emotiva. “Alejandro” e “The Beast” também ganharam espaço no bloco, agradando os fãs de longa data e os apreciadores do novo disco.

Em um bloco mais alegre, “Killah” veio hipnotizante com a participação de Gesaffelstein e Gaga tocando bateria. As caveiras e esqueletos voltaram na coreografia de “Zombieboy” e em um piano para apresentar um trecho da aclamada “Die With a Smile” — dessa vez, sem Bruno Mars. “How Bad Do U Want Me” trouxe um momento fofo e de conexão com os fãs, enquanto “Shadow of a Man” veio com mais coreografias e um novo look de inspirações brutalistas, lembrando um pouco a vibe que inspirou a Chromatica Ball, mesmo sem nenhum resquício do álbum, esquecido com Joanne e Artpop em algum canto dos traumas da cantora.

Mas se todo caos na vida e na carreira da artista vem acompanhado de hits, “Born This Way” e “Shallow” brilharam em seus momentos, antes de “Vanish Into You” — uma das melhores canções de Mayhem — fazer com que Gaga descesse do palco e abraçasse, pulasse e cumprimentasse seus fãs.

Encerrando o show com “Bad Romance” e grandes garras de penas, Gaga exibia um sorriso satisfeito para uma plateia que parecia em êxtase após presenciar um dos maiores shows da cantora. Resgatando o domínio sobre a excentricidade e o sombrio fantasioso que sempre permeou sua carreira e consagrou grandes performances da artista, sua apresentação cumpriu a promessa de levar o caos ao deserto, mostrando que poucas artistas são capazes de segurar quase 20 anos de hits em suas mãos e ainda fazer tudo soar interessante, visceral e novo.

A apresentação — que definiu os moldes do que veremos no Brasil, com a inclusão de mais 40 minutos de música (segundo Luiz Oscar Niemeyer, CEO da produtora Bonus Track, responsável pela apresentação de Copacabana) — reafirmou que é nos detalhes de uma grande novela que Lady Gaga se consagra, trazendo os vocais, a presença, a loucura e a doçura de um ícone que se revela muito raramente. Sorte a nossa de presenciarmos tamanha grandiosidade.

Abaixo a setlist oficial de Lady Gaga na sexta-feira (11) do primeiro final de semana no Coachella:

ACT I — Of Velvet and Vice:

  • Bloody Mary
  • Abracadabra
  • Judas
  • ScheiBe
  • Garden of Eden
  • Poker Face

ACT II — And She Fell Into A Gothic Dream:

  • Perfect Celebrity
  • Disease
  • Paparazzi
  • Alejandro
  • ⁠The Beast

ACT III — The Beautiful Nightmare That Knows Her Name

  • Killah
  • ⁠Zombieboy
  • ⁠Die With a Smile
  • ⁠How Bad Do U Want Me

ACT IV — TO WAKE HER IS TO LOSE HER

  • ⁠Shadow of a Man / Kill For Love
  • ⁠Born This Way
  • ⁠Shallow
  • ⁠Vanish Into You

FINAL — Eternal Aria of the Monster Heart

  • Bad Romance

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