A introspecção tropical de Rachel Reis em “Divina Casca”

Novo disco de Rachel Reis reflete sobre como a força dos encontros com si mesma transforma por completo a experiência de se conectar com os outros

Entre as influências do ritmo expansivo do pagodão e a esperteza do samba, Rachel Reis cria um mundo só dela: conta de história triste a confissão sensual, encapsulando uma identidade moderna aos elementos mais clássicos e populares de suas referências.

Não à toa, o ótimo Meu Esquema (2022), seu primeiro álbum de estúdio, abriu porta para que ela entrasse no radar de muitos como um dos nomes mais interessantes do pop br atual (ainda que essa seja uma definição simplista para o estilo multifacetado de Reis) entregando hits descontraídos como “Motinha”, “Brasa” (parceria acertada com a cantora Céu) e “Lovezinho”, mas também se mostrando capaz de composições um tanto quanto intimistas — “Consolação” e “Flerte” são bons exemplos e verdadeiras hidden gems no disco.

Seu sucessor é o Divina Casca, lançado na última semana. Com um espaço de três anos entre as produções, este novo — e mais extenso — trabalho conversa bastante com o anterior em sua esfera sonora. Jazz, choro e reggae estão presentes, com o diferencial de incluir pequenos elementos eletrônicos, um quê mais pop. Faixas maximalistas com sintetizadores fortes e a alta energia swingueira — presente nas faixas colaborativas “Alvoroço”, com o Baiana System, e “Apavoro”, com o Psirico, são duas das parcerias milimetricamente pensadas para o trabalho

Esses momentos de alta energia e composições que te levam para um dia ensolarado, quente e com gosto de saudades do carnaval se alternam com produções delicadas, influenciadas pelo samba, como a linda “Jorge Ben”, mas também com elementos da bachata em “Caju (noda)”, outro ponto forte do lado mais doce e romântico do trabalho, ou, ainda, na romântica balada sophisti — pop “Aquele Beijo”. Apesar da abundância de faixas pedir uma segunda ouvida para absorver tudo o que está rolando, vale dizer: o aproveitamento é alto.

Aliás, essa doçura coexiste com outras faces que Reis entrega nas composições. Sai de declaração amorosa em francês para recados claríssimos destinados a casos antigos (“O maior evento da sua vida parada / Tem um metro meia sete, cachos e pele cetim/ Colocou luz na tua estrada, escura e tesa, esqueça/ Mesmo que difícil seja não me procurar em outras” abre a grandiosa “O Maior Evento da Sua Vida”) e visita a si mesma em diversos momentos – porque mais do que falar sobre o outro, há muito para dizer sobre os próprios processos.

Isso já fica claro pelo nome do álbum, e sua faixa-título, de mesmo nome: Divina Casca. O prazer religioso, como que sagrado, de se entender sozinha. Como o ermitão, abraçar a solitude por entendê-la necessária, mas também como ferramenta para encarar o mundo, nossas relações e próprios caminhos: “Vivendo nesse mar ligeiro/ Preciso olhar a volta com olhos de quem tem sabor”, ela encerra em “Deixa Molhar”, ou “Que futuro é esse que tu tanto fala quando sou presente?” Reis questiona na parceria com Don L, Nessa e Rincon Sapiência, “Tabuleiro”.

A partir da apresentação desse lado introspectivo, Rachel Reis desenha um chegar junto e como ele pode se potencializar a partir do que coletamos e aprendemos sozinhos. Trabalhando essa dualidade para, no fim, entender como o amor-próprio pode se manifestar de tantas formas, ou como amar e ansiar por alguém passa por processos que também são individuais e trabalhados a partir do que se sente dentro da própria mente e coração. E como isso também importa tanto quanto o que sente o outro — graças ao tempo de paz em sua Divina Casca.

88/100

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