Carta de amor ao tecnobrega, Rock Doido é um disco que reforça a grandiosidade de Gaby Amarantos

Divertido e envolvente, o álbum visual reforça o lugar da artista como um dos nomes mais interessantes de sua geração.

Gaby Amarantos voltou com seu quarto álbum de estúdio: Rock Doido (2025). Após o vencedor do Grammy Latino TecnoShow (2022), que traz releituras do que ela já havia feito enquanto vocalista na banda de mesmo nome, e a mistura de ritmos e experimentações de Purakê (2021), o projeto da vez é, além de disco, uma ambiciosa aventura audiovisual filmada 100% em plano sequência, que encapsula a noite paraense regada a rolês de aparelhagem e cachaça de jambu.

Funcionando como um soundsystem, a aparelhagem em si é uma estrutura que costuma ser constituída de várias caixas de som e um esquema controlado por uma ou mais pessoas. Geralmente, o que mais toca nelas é o tecnobrega, estilo extremamente popular no Pará. Fusão do brega com ritmos caribenhos e, no mais tardar, com outros gêneros musicais brasileiros e músicas internacionais, é ele que dita os ânimos nas populares “festas de aparelhagem”, ou “rock doido”.

Esses eventos transformam a experiência de ver um DJ tocar em espetáculos de luzes elaborados, repletos de pirotecnia e estruturas enormes que movimentam grandes públicos. Símbolo marcante da cultura periférica por lá, é inclusive dessa forma que muitas músicas viralizam no “boca a boca” e projetam seus autores entre o público, numa cena rica, autossuficiente e cheia de nomes interessantes da música eletrônica — como a veterana Dj Méury e o Dj Lorran.

Essa Noite Eu Vou Pro Rock

Em Rock Doido (2025), Gaby Amarantos encapsula a experiência de viver uma noite desse tipo de festa. O disco começa com um anúncio bem a cara dos MCs que acompanham os DJs de aparelhagem e anunciam as atrações em “Essa Noite Eu Vou Pro Rock”. Com transições meticulosas entre cada faixa (parece um grande DJ set), a faixa seguinte, “Arrume-se Comigo”, brinca com a trend do Get Ready With Me, ao mesmo tempo que já emenda no look final em “Short Beira Cu”. Já “Te Amo Fudido”, o primeiro feat do trabalho, que conta com a Rainha do Tecnomelody Viviane Batidão, referencia um meme viral que, no ano passado, já tinha ganhado um remix pela Dj Méury, mas, na versão de Amarantos, vira também uma faixa romântica.

Indo além do tecnobrega, porém, “Não Vou Chorar” dá uma guinada para o sertanejo ao incluir a participação de Lauana Prado. Ainda que esta não esteja tão fora da zona de conforto, é interessante pensar nesse encontro de talentos entre ambas as cantoras e como a faixa, dramática na medida certa, mostra que o disco vai além de uma busca por reproduzir apenas um gênero musical. Outro destaque nas participações especiais vai para a lendária Gangue do Eletro, que dá um gás na divertida “Tumbalatum”.

Apesar de o conceito e estética de Rock Doido (2025) não serem exatamente inéditos na carreira de Gaby Amarantos, este parece ter sido o momento ideal para sua concepção. É um projeto que usa como base o brega, mas explora as produções para unir outras influências e até reimagina táticas clássicas, como quando ela transforma a desgastada “Somebody I Used to Know”, do Gotye, na divertida “Foguinho”, ou dá contornos eletrônicos para uma faixa clássica do forró em “Crina Negra”.

Gaby Amarantos não é nova na indústria. De música-tema de novela global a premiações internacionais, ela já provou há mais de uma década o quanto refina suas criações, reverencia os artistas com quem trabalha e tem orgulho de suas origens, vivências e da identidade que carrega enquanto artista paraense.

Legado inegável

Muitas vezes, cabe o exercício de pensá-la como uma figura subestimada quando o tópico são os nomes gigantes da música brasileira contemporânea e sobre como, apesar dessa grandeza, nem sempre a vemos encabeçando festivais em regiões como o sudeste — sendo que não apenas ela, mas ícones como Joelma, Zaynara e Viviane Batidão, apenas para citar alguns exemplos, são máquinas de hits, arrastam multidões e movimentam essa popularidade a partir de trabalhos consistentes. Observar essa situação também mostra como, por outro lado, as “cenas” no Brasil vão muito além do que se observa nas mesmas line-ups de sempre e nos mesmos rostos batidos — não necessitam dessa aprovação.

Esse orgulho é o que torna Rock Doido (2025) um trabalho tão autêntico e imersivo — não só o filme é impressionante e conta toda uma história a partir das canções, como também funciona sem o apelo visual. A quantidade de referências que Amarantos imprime até nas menores faixas é capaz de transportar até um leigo em aparelhagem para o Xarque da Gaby em menos de 40 minutos de produção. Aliás, falando em tempo: mesmo mais pro final do disco, “BBBBBBB”, “Cerveja Voadora” e “Pararurau” formam uma sequência de faixas-chiclete que evidenciam o quanto é tudo consistente do início ao fim.

O saldo, para Gaby Amarantos, é mais uma vez positivo. Com tanto tempo de carreira, é louvável pensar em sua constante evolução desde os dias de Banda Tecno Show e como ela nunca parou de aprender ou pareceu estagnar após alguma de suas entregas. É preciso muito esmero e conhecimento do próprio trabalho para conseguir manter tantas essências em meio à evolução — mas a bagaceira, o romance e a conexão com os estilos musicais que pesquisa estão mais fortes do que nunca, felizmente.

90/100

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