O desembaraço de Lola Young em I’m Only F**king Myself

Quarto disco da artista, I’m Only F**king Myself dá continuidade ao som de Lola – que vai muito além de “Messy”

Lola Young não nasceu para ser discreta. O sucesso “Messy”, do disco This Wasn’t Meant For You Anyway (2024), poderia tê-la fixado como uma one hit wonder — uma artista que alcançou popularidade por um único trabalho e ficou por isso mesmo. Os tantos vídeos verticais publicados nas redes sociais escondiam as demais dez faixas do seu disco, mas esse era o prólogo de uma narrativa muito mais turbulenta. Em vez de polir suas arestas, Lola aprendeu a transformá-las em matéria-prima. 

Depois de dois discos com sonoridade genérica (embora os trabalhos iniciais da artista tenham mostrado a potência e o potencial de sua voz), a britânica estabeleceu seu ponto de virada com o álbum de estúdio anteriormente mencionado. O tom genérico do início de carreira deu espaço à escrita de quem quem confessa, sem filtro, numa conversa íntima. Um ano depois, agora em I’m Only F**king Myself, Lola consolida esse salto de indiscrição. Seu quarto disco nasce do caos — de sua recuperação do vício em cocaína, de amores tortos, de noites que viram dias e da sensação constante de se perder, na loucura que é a vida, para se reencontrar. Nesse terreno instável, a cantora consegue soar verdadeira e se distanciar de uma sonoridade limpa e previsível. 

I’m Only F**king Myself

Os resquícios da cantora “agradável” que um dia encarnou (inclusive quando se submeteu ao ritual britânico de emocionar multidões com um cover de piano na propaganda natalina da John Lewis) são definitivamente abandonados em I’m Only F**king Myself. O disco é atravessado por sua jornada torta, nada linear, sem frases de autoajuda nem finais felizes. Entre o grito raivoso de “F**K EVERYONE” e a doçura distorcida de “why do i feel better when i hurt you?”, a cantora  oscila entre a euforia do hedonismo e a brutalidade do comedown. A produção, assinada por Solomonophonic, veste os versos de uma leveza enganosa, como se fosse possível dançar enquanto tudo desmorona (uma metáfora que não funciona muito bem neste caso, uma vez que poucas faixas são dançantes).

Assim como no trabalho anterior, Lola Young escolhe moldar I’m Only F**king Myself com interlúdios estratégicos — um logo na abertura, outro no encerramento. Essa estrutura funciona quase como um parêntese em torno do caos: abre espaço para que o ouvinte entre em seu universo e, ao final, seja expulso dele com a mesma intensidade. São passagens curtas, mas reveladoras, que emolduram a narrativa do disco e reforçam a sensação de estar diante de um ciclo – sem começo nem fim claros, apenas uma espiral de excessos, vulnerabilidades e reconstruções.

Paralelos

Young também mantém outros tipos de paralelos com seu disco anterior: ambos os trabalhos contam com os tais interlúdios, cujo derradeiro é precedido por uma faixa crua e melancólica de quem vive uma rebordose emocional. No entanto, tudo vai além, como quando a narrativa apresentada em “Good Books” (TWMFYA) parece ter uma reviravolta e uma espécie de completude em “SAD SOB STORY! :)” (IOFM). Distintamente, a recente e pra lá de intensa “SPIDERS” — um dos quatro singles lançados na divulgação do álbum — retoma o deboche de “Big Brown Eyes”

Neste caso, as temáticas de I’m Only F**king Myself são mais intensas, porém superficialmente abordadas. As letras, por vezes mais repetitivas dentro da mesma canção, constroem uma atmosfera de confissão obsessiva, mas que é deixada para lá. Por esses motivos, nem tudo funciona: a sinceridade escancarada abre espaço para tropeços, versos que soam fáceis demais ou ironias que pesam a mão. Mas quando o olhar volta para si mesma, Young entrega a vulnerabilidade necessária para equilibrar o caos. Enquanto a estética clean girl toma as mesmas redes sociais nas quais “Messy” dominou a trilha sonora, Lola prefere o avesso: o despudor, a bagunça, a rebeldia, a distância da maturidade que nunca mencionou atingir.

Em suma

Há coesão em I’m Only F**king Myself — tanto sonora quanto lírica. Contudo, os singles que antecederam o lançamento do álbum supõem uma concepção que não corresponde ao que o quarto disco de Lola Young entrega. As ótimas faixas “d£aler”, “One Thing” e “Not Like That Anymore” contrastam com todo o restante das faixas ˆ aproximando-se apenas de “F**K EVERYONE”. É como ir a um show da Adele — uma das inspirações de Lola — esperando que Miley Cyrus suba ao palco. 

Esteticamente, a cantora dá continuidade ao que trabalhou em This Wasn’t Meant For You Anyway: clipes para dois ou três singles e visualizers para as demais faixas. Há um empenho, portanto, em mostrar que cada etapa foi trabalhada — e todas têm fundamentos. No clipe de “who f**king cares?”, por exemplo, Lola aparece no centro de uma pilha de pó branco (que, diante da temática apresentada no disco, assume-se ser a cocaína à qual a artista tenta vencer seu vício). Em “Walk All Over You”, a câmera mostra Young em um ângulo no qual está superior à boneca inflável que ilustra a capa do disco. O “brinquedo” é, neste caso, a versão antiga de Lola, uma representação da personalidade que deseja superar. Um grande acerto da artista, sempre tão igualmente fiel à parte visual de seu trabalho.  

Musicalmente, por sua vez, Young transita sem medo: flerta com o soul, o grunge e o pop oitentista, costurando referências de modo tão natural quanto contraditório. Grave, rouca e maleável, a cantora coloca as cordas vocais em jogo quando mostra sua amplitude entre o grito rasgado e o sussurro confessional. Sua persona segue a mesma lógica debochada, vulnerável, autodestrutiva e apaixonada. É essa mistura de fragilidade e afronta que faz de Young uma figura difícil de dominar e impossível de ignorar.

77/100

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