Há diferenças gritantes entre os movimentos que o cinema e o teatro precisam exercer para ganhar a atenção do espectador. Mas há uniformidade no impacto que, de uma forma ou outra, vai atravessá-lo.
Inspirado de modo livre na história real de Maria de Lourdes Castro Pontes, ou também Miss Cyclone, única mulher a participar do “O Perfeito Cozinheiro das Almas Deste Mundo” (diário coletivo organizado por Oswald de Andrade), Cyclone, de Flávia Castro, junta esses dois formatos de contar histórias para fazer saltar em cena o tema de autonomia feminina.
Constantes falas masculinas colocam o fato de Cyclone ser mulher como obstáculo para realizar o sonho ao ganhar uma bolsa de estudos para uma escola em Paris; tecer livremente sua arte se torna então uma árdua felicidade que parece não ter a satisfação da linha de chegada.
Seguindo as condições da própria protagonista, a junção de cenas consegue idealizar uma construção de narrativa que beira a poesia. São sequências mais longas e quietas, com focos amplos nos personagens, sob cores angustiadas com o baixo uso de som, que expõem a incessante luta de Lourdes Castro Pontes em ser reconhecida como dramaturga.

A montagem se assemelha a um ensaio de teatro ou um antigo filme que parece estar sempre próximo do seu ato final; a escolha de visual para dar vida ao filme é contida, mas certeira. O ritmo da edição cria um longa slow burn funcional para todos os contextos que Miss Ciclone é vista.
O longa exibe uma boa conformidade na hora de contar o quanto a protagonista quer ser enxergada como a própria potência de sua criatividade. O ótimo roteiro se une a uma Luiza Mariani excelente: contida, mas que parece gritar sem aumentar o tom de voz. O resto do elenco se sai bem, mas Karina Teles sempre que pode irromper linhas.
Muitas das reminiscências de Cyclone, que se passa em 1919, ecoa em vários paralelos para os dias atuais. Parece que muitos sonhos, vontades e direitos ousam até demais rasgar o tecido das expectativas sociais; se ainda não sabemos para onde vamos daqui, para Daisy, ela estaria nesse mesmo nosso tempo, apenas com inflamações diferentes.