Miguel Góes apresenta seu primeiro trabalho solo, Pequenas Lembranças, um álbum instrumental concebido como se cada faixa fosse a trilha original de um filme inexistente. O projeto nasce da relação profunda de Miguel com o cinema e com o backstage da música brasileira, reunindo referências de jazz, MPB e a estética grandiosa de Hollywood. “É como costurar a sofisticação harmônica com a imagem mental do filme”, resume o artista, que transforma memórias, sensações e atmosferas em paisagens sonoras.
A visão cinematográfica guiou todo o processo — inclusive no estúdio. Miguel assumiu o papel de “diretor”, abrindo mão de tocar em três faixas para focar na condução da gravação. “Na gravação muitas vezes fiquei como diretor em set de filmagem”, explica. “Se eu achasse que precisava de tal ‘luz’, chamava o ‘fotógrafo’ certo. Brian Wilson foi uma referência nesse sentido.” Dessa forma, quase 20 músicos passaram pelo estúdio desde 2021, dando vida a composições que começaram no violão, mas se expandiram em arranjos jazzísticos, orquestrais e ambientes que remetem ao cinema clássico dos anos 1950.
O álbum também carrega o histórico de Miguel na cena brasileira. Ex-baixista da banda Dônica — ao lado de Tom Veloso, Zé Ibarra e Lucas Nunes — e colaborador em projetos recentes da MPB, ele transforma essa bagagem em música. Isso aparece com força na faixa-foco “Venham todos vocês sonhadores!”, que reúne os ex-integrantes da banda em um momento de puro jazz e harmonias vocais. O título nasceu de uma história de estrada: após acompanharem Caetano e Gil na Europa, um estranho cantou “Come all you dreamers!” em um bar — frase que virou mote e, agora, música.
As oito faixas do álbum ampliam esse universo. Do blues melancólico de “Pêssegos e penumbras”, inspirado em Allen Ginsberg, ao requiém imagético da faixa-título; dos ambientes clássicos de “Pastoral” e “Pastoral II”, às paisagens bossa-novistas de “Último entardecer” e ao clima de jazz tradicional de “Fiquei imenso tempo à tua espera”, retirado de um subtítulo de filme em português europeu.
Encerrando, “Espectros” amarra a narrativa como um tema final de cinema. Para Miguel, o DNA do projeto permanece evidente: “É um disco de música brasileira, apesar de não ser focado em gênero tipicamente brasileiro. Não é samba, não é bossa nova, mas ainda assim é Brasil”.