Protegida de Charli XCX, ex-tiktoker, it girl emergente do pop atual: qualquer uma dessas alcunhas é verdade quando o assunto é Addison Rae. A cantora, que lançou seu primeiro álbum de estúdio, Addison, no último dia 06, já vinha causando – principalmente entre os mais cronicamente online — desde sua participação no remix para “Von Dutch“, de XCX e o lançamento da excelente “Diet Pepsi”, primeiro spoiler do trabalho de Rae.
Criticamente aclamada, a série de lançamentos promocionais que seguiria essa faixa também serviu para colocar pautas sobre sua imagem pública e o lugar da novata na indústria musical, até com certa razão. Afinal, Addison pode ser atrelada a um passado recente do qual ela vem se desvencilhando enquanto promove a carreira de cantora — o de já ter alcançado uma fama avassaladora graças ao TikTok e seus vídeos que, por lá, eram muito mais voltados para futilidades, por assim dizer, como challenges e dancinhas. Por que essa bagagem deveria legitimá-la, do mais absoluto nada, como artista e seu trabalho, como arte?
No entanto, a própria também já havia demonstrado ser consciente desse espaço que ocupava no imaginário do público: em 2021, por exemplo, estrelou “Ele é Demais”, da Netflix (remake do clássico) e, por ironia do destino, no papel de uma protagonista fútil, viciada em redes sociais e obcecada pela fama em 9:16. O longa bate ponto como mais um romance clichezão que não vai mudar a vida de ninguém emplacado pelo streaming, mas o jeito como Addison se imergiu na trama, levando na maior esportiva e abertura algo que outras famosas do nicho pudessem ver como um ultraje à profissão tiktoker conseguiu já mostrar que sim – ela se leva a sério, mas sem se render à pedância ou tentar fingir quem ela não é.
Sua primeira experiência na música também teve lá seus momentos disso. AR, singelo EP lançado em 2023, já estreitava os laços entre ela e Charli XCX no feat “2die4”, além de fugir do óbvio com uma versão bem conduzida de “Nothing On (But The Radio)”, canção que Lady Gaga (!) nunca lançou oficialmente.
E em Addison, quanto mais ela abraça o plástico, mais natural e genuína consegue se mostrar. Músicas como a tímida “High Fashion”, a R&B hipnótica “Headphones On” e a dramática “In the Rain” incrementam o trabalho com referências a coisas mais alternativas dos anos 90, como os flertes com o minimalismo eletrônico do trip hop e as insiprações que parecem ter bebido de Madonna no Ray of Light.
Comparações dessa magnitude fazem obviamente com que a régua seja bem alta, e essa é uma das provas do comprometimento de Rae com o próprio trabalho: ela conhece as referências que usa, está com uma equipe que compartilha desse conhecimento e, o mais importante: que tem as habilidades necessárias para que o processo de criação não a descaracterize ou faça parecer que ela está tentando emular algo que vai além de suas habilidades vocais, líricas e até conceituais.
Na mão de alguém muito mais interessado em só impressionar com “conceito” e visuais bonitos querendo conquistar o nicho cool-brat-frequentador-do-primavera-sound, recrutar nomes de peso como a lendária maquiadora Pat McGrath para trabalhar no clipe do pop chiquérrimo “Aquamarine” ou a Arca, que assina um remix da mesma canção, fariam Addison parecer uma figura desesperada para convencer um público que, certamente, conseguiria enxergar a superficialidade dessas escolhas. Mas nela, parece apenas natural.
Isso fica muito claro também por conta dos caminhos versáteis trilhados no Addison — pois também é lar de farofadas divertidíssimas que cumprimentam os momentos mais divertidos de Britney Spears, como em “Fame is a Gun”, que é a cara da loira. Ótima também é a introdução ao disco com tempero de jersey club, “New York”, e a bobinha “Money is Everything”, que, além do refrão chiclete, termina com os gritinhos de alegria de Rae reforçando o mantra “o dinheiro me ama!”.
Talvez essa capacidade de transitar pelo universo dela e o jeito como vê o singelo — entre letras sobre se encontrar na vida e lidar com o amor — se traduza em todo o projeto. Entre o status de cult e uma obra sincera de alguém que se está se propondo a tentativa e erro para se reinventar, a autenticidade de Addison Rae é o que a tem levado pelo caminho certo.