“Aos Prantos no Mercado”, de Michelle Zauner, ensina sobre o sabor do passado

Escrito por Michelle Zauner, da banda Japanese Breakfast, “Aos Prantos no Mercado” cria laço espetacularmente sentimental entre luto e comida

Desde que a mãe de Michelle Zaunner morreu, ela chora constantemente no H Mart, um mercado situado em Nova York que ao vender produtos coreanos faz com que ela consiga sentir, acima de tudo ao comprar comidas, em cada embalagem, ingrediente e notas típicas de uma cultura alimentícia impactante o gosto da presença de sua

Tendo sido publicado originalmente na revista The New Yorker, mais tarde, em 2021, todas aquelas lágrimas ganham descrições do porquê existirem pelas páginas de “Aos Prantos no Mercado“, em uma construção insanamente bem escrita no primeiro livro da musicista que passou pelo Brasil em 2022, na mesma época que a obra era lançada por aqui.

Luto e comida se ligam em um único traço para Zauner conseguir finalmente colocar em palavras, e não em tons melódicos (ela encabeça o projeto Japanese Breakfast), como a perda de sua mãe em sua vida – ou o resto dela – é também perder pedaços de uma cultura que ela emanava e a inclui-lá.

Ainda que a matriarca em muitas das fases ao tornar-se uma imigrante sul-coreana tenha deixado certas marcas significativamente difíceis de Zauner compreender, é na relação com a comida que as duas nunca chegaram a um consenso não mútuo. Um grande afeto em toda essa paixão passa então a ser refletida em temperos, sinestesias e um apreço cozinhado com facilidade pelas palavras.

Mesmo usando um método de escrita com raciocínio diferente, ela nunca mediou situações tão bonitas e afetuosas como nessa obra (diferente de uma música que dura 4. 6 minutos, aqui é um livro de quase 300 páginas, é preciso manter o leitor cativo). Ainda que muitas de suas composições falem abertamente da relação com Changmi, escrever um memorado abertamente sobre isso soa e é diferente, mas as reverberações são nada mais do que irradiantes.

Todos momentos em que ela coloca para dentro do livro memórias que estavam do lado de fora de si, encontramos versões que relatam uma mãe instintamente diferente, querida, mas às vezes não tão radiante como figura materna, a não ser especialmente naquelas vezes em que o ato dela em preparar comida a tornava alguém misticamente poderosa.

Nesse combo, os fragmentos conseguem ilustrar páginas que fazem com que o leitor sinta o amargo da falta que a protagonista passa a sentir desde a primeira página; como se aquele pedaço a cravasse um buraco tão grande que ela passaria a acreditar que o mundo seria dividido em dois tipos de pessoas: as que sentiram dor e as que ainda vão.

Esse é um pensamento que causa distinção a primeira vista, mas lá, no fundo, exala medo, assim como adicionar a pitada de sal que faz toda a diferença no sabor da comida. São justamente as dores que sentimos por, principalmente, perder algo valioso, que mais nos define sem que queiramos. A partir daí (Zauner faz tal comentário sobre pessoas e dores perto do fim, mas ele aparece bem antes na cruel “Posing in Bondage”), seu fim é o começo.

Ainda que as cores vivas de muitas das imagens do livro sempre se ressaltem – seja pelas descrições de basicamente todos os momentos que surgem de modo ardente e voraz –, mais de 85% das parcelas interiores do livro são sombrias, respondendo com perfeição (em sentido de atmosfera) o que ela sentiu por todos os capítulos.

São como se os resumos e resumos sobre família, cultura e a sinestesia da comida aos dias ruins ganhassem as folhas do papel para tornar todas as ações em uma realidade que nos faça questionar se estamos valorizando o amor que a gente não coloca em prática; da pior forma vem a tona que não valorizamos aquilo que temos sem que antes esse algo não esteja mais em nossas mãos.

Em todas as discussões que Zauner explora no livro, essa, a da perda, é uma das poucas sensações que ela menos não consegue deixar de transparecer, afinal, sua mãe não está mais ali e por vias e sinuosos debates, ela quer se mostrar grata, e consegue.

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