Apoteótico, Måneskin faz um dos melhores shows do ano em São Paulo

Com casa cheia, o quarteto italiano Måneskin subiu ao palco na noite de sexta-feira e entregou um show incendiário

As últimas semanas foram frias na capital paulista. O clima da maior cidade do país é uma incógnita durante essa época do ano, mas a temperatura fervorosa que assolou a metrópole neste final de semana pode muito bem ter relação — no sentido figurado da coisa, é claro — com a apresentação incendiária que o Måneskin fez no Espaço Unimed nesta sexta (9).

Victoria De Angelis e Thomas Raggi, do Måneskin / Foto: Ricardo Matsukawa / Mercury Concerts (reprodução)

Com casa cheia, o quarteto italiano — que instrumentalmente falando se sustenta como um trio — subiu ao palco exatamente às 22h15. Liderado pelo talentosíssimo (e provavelmente um dos cantores com mais sexy appeal da geração atual) Damiano David e seu vozerão grave característico, o show solo da banda na capital paulista — o segundo no Brasil, já que eles figuraram entre os principais nomes do Palco Mundo no Rock In Rio na última quinta, (8), abrindo para o lendário Guns N’ Roses — foi não apenas uma ode ao suprassumo do hard rock oitentista com pitadas do indie millennial, mas um lembrete factual de que o rock respira bem longe de contar com qualquer tipo de ajuda de aparelhos ou balões de oxigênio.

Composta ainda pelo excelente guitarrista Thomas Raggi, o bom baterista Ethan Torchio e a ótima baixista Vic de Angelis, o quarteto possui a energia e a gana de quem parece querer dominar o mundo em um momento quase apocalíptico. Eles são tão incisivos e cheios de atitude em cima do palco que ganham a confiança de quem os assiste logo nos cinco primeiros minutos, como se atordoassem a audiência sem qualquer tipo de pausa com riffs fulminantes e canções pegajosas que lembram os momentos áureos do rock mainstream. E talvez seja por isso que eles encantem tanto quem os assiste.

“Meu deus, vocês são inacreditáveis. Acho que nunca vi uma plateia cantar tão alto como vocês hoje, eu mal tô conseguindo me ouvir… mas tudo bem, eu prefiro ouvir vocês”, comenta Damiano após as três primeiras faixas.

Måneskin em São Paulo / Foto: Leca Suzuki / Wiki Metal (reprodução)

Conhecidos mundialmente por terem vencido o programa de talentos Eurovision e o hit viral “Beggin’”, os italianos provaram nessa primeira passagem pela América do Sul que estão bem longe de estarem na lista dos one-hit-wonders. É claro, eles foram impulsionados muito por conta da febre jovem no TikTok, mas nada disso vai além da modernização dos meios de comunicação na indústria fonográfica. Se antes as bandas quase necessitassem ouvir suas músicas nos rádios ou na televisão, agora, elas podem muito bem ser descobertas por usuários adolescentes em redes sociais na internet.

Hard, glam, heavy… O Måneskin parece ter sido forjado à base de Jack Daniels, cocktails e todo o glamour da Sunset Strip oitentista, ao lado de nomes como Guns N’ Roses e Mötley Crüe, misturados à excentricidade do Glam Rock do Velvet Underground, New York Dolls e David Bowie, com uma pitada do misticismo cru dos grandes gênios da música setentista, embora eles possuam apenas seis anos de existência!

No entanto, há uma diferença do quarteto com suas referências maiores: por mais que também usem o approach audiovisual dos nomes gigantescos de quase cinquenta anos atrás, o grupo é moderno o suficiente para criar tracks robustas que possuem influência também de nomes contemporâneos como Arctic Monkeys e Queens of the Stone Age. É verdade, eles estão bem longe de ser “indies” ou algo do tipo, mas é evidente que, ainda que utilizem calças de látex e uma abordagem sexual evidenciando a liberdade de suas ações e também de seus corpos, tal como seus ídolos e referências, o Måneskin sabe muito bem dar o seu toque millennial no “rock de tiozão”.

Os italianos não se levam tão a sério para serem conceituais demais ou super estéticos e, provavelmente, essa é a chave de seu estrondoso sucesso em todo o planeta: a experiência como prioridade. Eles não querem saber se estão arrumados demais ou com suas maquiagens borradas, pelo contrário: eles querem soar o mais natural e próximo de quem os assiste o possível. O show é enérgico, orgânico, descontraído e representa tudo o que um rockstar raiz costumava definir como primordial.

Seja querendo dar uma espécie de stage diving nos fãs mais fervorosos da grade, com solos deitados no chão, usando o famoso “two hands” a la Eddie Van Halen ou com pulos desajeitados como os de Pete Townshend em frente a uma multidão, os jovens – que não passam dos 23 anos – querem se divertir, e é nesse momento que a atitude e a sonoridade se fundem e promovem uma sensação grande o suficiente para dar aos fãs o que eles desejam. É aí que a banda cresce…

Faixas como a extraordinária “ZITTI E BUONI” (excelente escolha para dar o start nas apresentações, inclusive), a explosiva “IN NOME DEL PADRE” e a maravilhosa “CORALINE” poderiam colocar a banda no lineup principal do Rock In Rio de 85 ou 91. Já “CLOSE TO THE TOP” poderia ter sido gravada por Def Leppard em Hysteria.

Måneskin em São Paulo / Foto: Leca Suzuki / Wiki Metal (reprodução)

Musicalmente, cada um dos músicos se destaca em sua peculiaridade: Thomas Raggi desfila pelo palco com solos à la Slash e riffs inspired by Jimmy Page. Na cozinha, Ethan segura a onda e quebra tudo, ao mesmo tempo em que continua mantendo a expectativa do público lá em cima com a ajuda do frontman Damiano, e da incrivelmente talentosa Victoria, que é um show à parte! Os três responsáveis pela linha de frente se sentem donos do espaço, se transformam em gigantes em segundos, mas não tão grandes a ponto de não interagirem com os fãs.

Em vários momentos, Victoria, Thomas e Damiano se jogaram na galera e se deixaram levar pelo momento de êxtase em poder presenciar uma aglomeração tão calorosa, após um período pandêmico de reclusão e incertezas. You want it, we got it!

Quer atitude mais rock and roll que a de abraçar a imperfeição para aproveitar o momento de troca em seu mais alto nível?!

Damiano é um show de simpatia, talento e sensualidade; é provocante o bastante para despertar desejo mas está distante de se perder na ideia de ser o maior rockstar da atualidade. Sua voz é ríspida, propícia para a utilização dos drives – muito conhecido por aí na informalidade do termo “voz rasgada”. Haja técnica para manter o gogó intacto, haja energia para manter o nível da apresentação na mesma pegada que o show do Rock In Rio na noite anterior… “SUPERMODEL” é um dos melhores exemplos da harmonia perfeita e sincronização de palco entre David e companhia.

“For Your Love”, “MAMMAMIA” e “I WANNA BE YOUR SLAVE” estão mergulhadas em influências indie rock dos anos 2000, por exemplo, mas não perdem a essência hard rock de quem deve ter crescido ouvindo muito Zeppelin, Sabbath e The Stooges. Inclusive, o cover de “I Wanna Be Your Dog” é muito bem executado e recebido pelos fãs. É perceptível como os italianos são completamente apaixonados pelo palco.

Nesta noite quente de sexta-feira, (9), enquanto faziam um rock maduro de gente grande (e que deixaria certas bandas renomadas por aí no chinelo, mas vamos deixar esse assunto para depois), os músicos do Måneskin ecoavam suas vozes para audiências de todas as idades: jovens apaixonados borravam suas makes na primeira fila em meio a lágrimas que escorriam por todo o rosto, papais e mamães próximos aos 40 dançavam e pulavam como adolescentes e, o mais surpreendente: crianças por todos os lados berravam a plenos pulmões as músicas que aprenderam justamente nas redes sociais. E essa é a parte da globalização que, na opinião de quem vos escreve, deu certo.

Se você é millennial ou geração Z, não se preocupe: você não precisa mais assistir pela TV os shows antigos das bandas favoritas de seus pais que colocaram o estilo no topo da indústria ou muito menos revezar seu tempo assistindo filmes como Rock Star ou Almost Famous para se deliciar com bandas “novas” fictícias como Steel Dragon ou Stillwater: dê uma chance ao Måneskin e veja com seus próprios olhos a história do rock voltando a ser escrita.

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