Se “Quando Bate Aquela Saudade”, do álbum Pearl, arrebatou os corações apaixonados (e partidos) e projetou Rubel no cenário musical há 12 anos, a sensação próxima e acústica de seu violão presente ao longo do álbum fisgou boa parte do público que continuou ansiando por novos trabalhos e permaneceu com o artista com o lançamento de Casas (2018).
As Palavras Vol. 1 e 2, no entanto, seguiu o caminho em 2023 com um lado diferente do artista, que trouxe funk e uma mistura de estilos e colaborações para colaborar em sua poesia. A turnê do disco, que durou quase dois anos, acompanhou uma banda rica de 15 músicos e marcou um período mais expansivo do cantor.
Agora, prestes a lançar seu quarto álbum, o Beleza. Mas agora a gente faz o que com isso?, Rubel nos recebe (virtualmente) em seu estúdio para conversar sobre o disco, inspirações, referências e um curta de 6 minutos, feito para marcar o novo período artístico do cantor.
***
Começo o papo perguntando qual a sensação de lançar um novo álbum. Beleza. Mas agora a gente faz o que com isso? é seu quarto álbum. Qual a sensação de colocar mais esse trabalho no mundo, principalmente após um ciclo tão grandioso marcado por As Palavras?
“Tô com uma sensação muito boa, porque eu sinto que eu fiz o disco que eu queria fazer… Nem sempre a gente chega no resultado que a gente quer, mas eu sinto que eu cheguei. Esse disco me surpreendeu muito, foi um projeto muito pouco calculado, eu fui dando vazão ao que surgia sem saber bem pra onde eu tava indo… O resultado nesse sentido acabou me surpreendendo, então acho que ficou muito bonito, a junção das cordas, o violão, a sensação que ele carrega, então…
Eu acho que ele é muito diferente do “As Palavras”, e é legal justamente por isso. Ele (o álbum As Palavras) chegou num outro público, acho que furou a bolha do meu público (que me acompanhava) até ali, chegou pra muita gente do funk, do pagode, pra além da MPB… Mas uma parte do meu público parece sentir muita saudade do meu trabalho mais íntimo e acústico, então… Eu tô com uma sensação muito boa de voltar pra um lugar que dialoga com essas pessoas.”
Ouvindo o disco, fica claro que esse trabalho parece mais confessional, mais íntimo. Então pergunto se depois de toda a expansividade, estilos explorados, parcerias, o novo disco (Beleza) soa muito mais como o Pearl e Casas. Essa sonoridade similar foi proposital? Existe uma aura similar nesses trabalhos, ou uma busca intencional por uma sensação ou direção que a diversidade do último disco não tenha proporcionado?
[Rubel] “Eu gosto muito de experimentar, de mudar, e depois de ter vivido um ciclo tão grandioso, com uma banda de 15 pessoas, eu tô muito animado de trazer um trabalho tão íntimo, quase confessional mesmo, em que eu tô tão vulnerável e tão aberto… E eu tô feliz em poder retomar um espaço que eu ocupei há tantos anos atrás, mais próximo na forma como eu me apresentava, de como eu dialogava com meu público…
Mas esse retorno não foi calculado… Essas músicas vieram no violão, surgiram espontaneamente e elas todas tinham uma carinha parecida, meio primas… Foi um acidente muito feliz. Quando eu entendi que essa era a cara delas, eu assumi o projeto dessa maneira, que escancarava mesmo essas similaridades com o Pearl.
No fim, acabei usando os mesmos microfones, equipamentos parecidos, gravei e produzi de formas parecidas com o que fiz lá e no Casas… Eu quis criar um ambiente sonoro que me remetesse ao ambiente sonoro dos primeiros discos. Acho que existe sim uma espécie de aura similiar, mas o que é essa aura? É a melancolia (em comum com os trabalhos anteriores)? É o violão? Eu não sei, talvez seja tudo isso ou uma coisa impalpável mesmo, que tenha a ver com identidade, algo espiritual, meu jeito de tocar e compor… Não sei, mas existe.
Eu sinto que o Pearl e o Casas são discos que são quase espaços físicos, quando você dá play você entra num território, eles parecem apresentar um cenário, cores, eles têm isso muito bem definido e eu sentia saudade de um disco que trouxesse essa sensação… Com texturas tão palpáveis, que te ajudassem a sentir num ambiente, então… Acho que eles tem essa similaridade mesmo.”
E não temos como não perguntar: isso existe também no Beleza? Se sim, como é o ambiente do novo trabalho?
[Rubel] “Boa pergunta! Cara, eu acho que é um ambiente chique, tem uma coisa muito elegante nele, me remete a espaços de madeira, talvez uma casa toda de madeira, muito chique, no tamanho certo. Não é uma casa de ostentação nem uma casa rústica, ela é uma casa construída com tudo que a gente queria e passa uma sensação de aconchego… uma mistura de luxo e simplicidade. Acho que o disco brinca com algo que é muito cru, voz e violão, seco, e de repente entra uma orquestra luxuosa e grandiosa… Acho que o disco brinca com essa atmosfera e esse contraste, que poderia ser esquisto mas funcionou. O mínimo dialoga muito bem com o máximo…
A gente tomou muito cuidado na produção do disco para que a orquestra não ficasse grande demais a ponto de abafar o violão, então quase sempre ela tá atrás dele. É como se esses 30 músicos estivessem a serviço do violão, ele é o protagonista o tempo todo, sabe?”
E entrando na questão da produção musical, ficamos curiosos. Rubel tocou todos os instrumentos presentes no trabalho, exceto o piano e a orquestra. Mesmo assim, produziu o disco em casa. Como foi ter domínio total narrativo (nas composições), mas também da produção e sonoridade desse trabalho?
[Rubel] “É muito bom ter esse domínio, porque talvez isso seja também uma marca dos dois primeiros discos e talvez por isso eles sejam próximos, eu fui muito autor no sentido de achar o som. Acho que tem uma parada nessa geração atual da mpb: tem o Tim (Bernardes), tem o Cícero… a gente é cantor, compositor e produtor também.
É difícil você separar a canção da produção, porque o timbre, o jeito de captar a voz, o som do violão é tão determinante para o resultado final e para a emoção que aquilo desperta quanto o acorde, ou a letra… Eu sinto que nesse disco eu tive muito esse cuidado, quase como se fosse uma pintura. Pra mim era muito necessário ter esse controle do som para eu conseguir pintar o quadro que eu queria, porque uma mesma canção pode ser gravada de muitas formas diferentes, e dependendo da forma que você produz, a emoção muda, o cenário muda completamente, então pra mim esse disco trouxe a produção e a composição como coisas inseparáveis. Como produtor, é a coisa que mais me orgulho de ter feito.”
Das 9 canções presentes no disco, duas são covers. Uma, “Reckoner”, é uma canção do Radiohead. A outra, “A Janela, Carolina”, é um folk mexicano: “A la ventana, Carolina”, de El David Aguilar, letrado por Rubel há anos e que agora ganha espaço num disco do cantor. Como foi a escolha desses covers e como eles conversam com as composições do disco? Pensando em contexto geral do álbum, como a produção impactou nessas versões?
[Rubel] “Bom, eu sentia que as 7 (faixas) que eu já tinha não estavam dando conta do recado, eu precisava dizer mais. Essa música do Radiohead (Reckoner) fez muito parte da minha vida, da minha adolescência, desde que o álbum (In Rainbows, de 2007) saiu… Ele me virou de cabeça pra baixo, e eu tocava muito essa música. E no processo de gravação, eu fui dando muita vazão ao meu inconsciente, experimentando as coisas de uma forma muito livre, então num dia me veio à memória de tocar essa música que eu não tocava há uns… 8 anos, e foi muito forte! Como se ela fosse uma música da minha vida, e ela soou tão atual e tão minha quanto a que eu tinha acabado de compor…
E pensando na produção, eu pensei que eu poderia trazer algo que acrescentaria, porque às vezes a gente imagina o cover como algo dispensável né, você pensa: “poxa, essa música já existe”, mas acho que nesse caso elas estão contextualizadas num universo tão brasileiro que elas viram outra coisa. Elas couberam dentro do voz e violão, e o diálogo delas com as cordas e com o restante do material… elas combinaram demais com o que eu queria para o disco.
Sobre turnê e vinil, que também são peças chave no trabalho do artista, ambas coisas são confirmadas com certo mistério. O vinil deve sair no fim do ano, perto de Outubro — possivelmente pela Coala Records em vista de seus últimos lançamentos em vinil por lá. A turnê está confirmada, com datas já agendadas, que devem ser reveladas em breve e prometem trazer o ar mais intimista, prato cheio para os fãs do trabalho mais acústico presente no Beleza e nos queridos Pearl e Casas.”
***
Beleza. Mas agora a gente faz o que com isso? chega ao mundo hoje, dia 28 de maio, acompanhado de um curta de 6 minutos com direção de Larissa Zaidan, que já assinou projetos musicais de Mano Brown, Rico Dalasam, Xamã e Yago Oproprio.
A obra apresenta Rubel como observador em núcleos de três personagens, que ao som de canções do álbum, se conectam pelas coincidências da vida. É uma experiência cheia de arte, sensibilidade e poesia, assim como o disco e a jornada musical de um jovem artista tão brilhante.