Björk e os 30 anos de Post: uma carta de amor às possibilidades

Trinta anos depois, Post segue romântico, esquisito e, claro, irresistível

Em 1993, uma jovem islandesa deixa para trás o ambiente natural único de seu país. Björk Guðmundsdóttir desembarcou em Londres, pronta para tudo o que a cidade grande poderia oferecer. Estamos falando da Björk dos anos 90, uma figura meio alienígena, de estilo único, com uma energia meio infantil, meio selvagem. A mídia ficou obcecada. Logo, ela virou assunto.

Desde muito nova, já compunha músicas. Muitas delas foram resgatadas e compiladas no seu primeiro álbum solo, lançado naquele mesmo ano. Se o Debut (1993) abriu as portas, o segundo álbum, Post, lançado em 13 de junho de 1995, foi onde Björk se revelou de verdade. Mais do que um disco experimental e ousado, Post é uma carta de amor. Como ela mesma disse: “uma carta para um amor distante e proibido”, aquele sentimento escondido, soterrado, que você tenta ignorar, mas nunca desaparece.

Post fala justamente dessa saudade silenciosa. Não a saudade escancarada, mas aquela que se disfarça de deslumbramento, que se esconde na vontade de viver coisas novas. Björk saiu de casa, mas ainda canta para a Islândia. Mesmo compondo de uma Londres cosmopolita, a natureza, o isolamento e a introspecção atravessam cada faixa. A natureza escandinava está ali, não como uma lembrança triste, mas como uma presença silenciosa, um chão firme.

Quando pensamos na música da Londres dos anos 90, o que vem à cabeça? Oasis, Blur, Radiohead, Pulp. Guitarras, letras sobre o cotidiano, aquele tom contido, quase sussurrado. E aí vem Björk, gritando, misturando eletrônico, jazz, pop, fazendo o que ninguém tinha feito antes. Como sempre. Neste álbum ela mistura de tudo: jazz, acid house, techno, até canções de musical. O resultado? Um disco “musicalmente promíscuo”, como ela mesma define. Atmosferas pesadas, batidas fortes, orquestrações brincalhonas. No meio de tudo isso, a Islândia segue ali, escondida, insistente.

As primeiras sessões rolaram nas Bahamas. Dizem que ela gravou até em cavernas e praias. Muito Björk, né? Depois voltou para Londres, chamou novos colaboradores e colocou ainda mais camadas, mais cor, mais vida. O álbum já começa com um soco: “Army of Me”, lançado em abril de 1995 e se tornando seu maior hit no Reino Unido. Batida industrial, metais pesados, um recado direto.

Mas Post não é só força bruta. Em “Hyperballad”, ela cria uma das músicas mais lindas e estranhas sobre amor. Todo dia, antes do namorado acordar, ela sobe uma montanha e joga coisas lá de cima: TVs, garrafas, carros. Depois respira fundo e volta, pronta para continuar dividindo a vida com ele. Uma metáfora absurda e perfeita sobre como o amor exige sacrifício, mas também espaço para ser quem se é. E, de algum jeito, também fala dessa saudade de casa, de abrir mão de partes de si para poder seguir vivendo.

— O orquestrador das batidas de “Hyperballad” é Eumir Deodato, o mesmo responsável pela produção de “Travessia”, do nosso querido Milton Nascimento.

Post vai de um extremo ao outro. Do big band teatral de “It’s Oh So Quiet”, um dos clipes mais icônicos dos anos 90, ao minimalismo delicado de “Cover Me” e “You’ve Been Flirting Again”. Da sensualidade ameaçadora de “Enjoy” ao abraço orquestral, quase tribal, de “Isobel”.

Na capa, Björk aparece no meio de Piccadilly Circus, colorida, cor-de-rosa, meio atordoada. E representa exatamente isso, a excitação e o excesso de estímulos que a cidade trouxe. Post é um álbum do “depois”. Como ela mesma disse, o oposto de Debut. Não mais observando à distância, mas mergulhando de cabeça. E conseguiu. Post é um dos discos mais importantes da sua carreira — e um dos mais influentes dos anos 90.

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Eu tinha 16 anos quando meu caminho cruzou com a música da Björk. “Army of Me” começou a tocar no aleatório do meu Spotify e eu fiquei imediatamente hipnotizada, submersa em Post.

E é incrível como, mesmo 30 anos depois, ele continua te puxando pra dentro. É um álbum que se movimenta, que te faz escutar música de um jeito diferente, mais imersivo, mais sensorial. Aqui, a saudade não é só melancolia, mas também uma abertura para o novo. Ela vive entre a perda e a possibilidade, entre o que ficou e o que ainda pode ser. No fim, é ela que nos move.

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Enquanto o britpop dos anos 90 ainda ensaiava suas mesmices, Björk já dançava sozinha no caos, esculpindo o futuro com uma mão e chutando o passado com a outra. Post é uma carta de amor às possibilidades da música e, consequentemente, da vida.

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