O musical Cabaret dos Bichos conta a já conhecida história do clássico literário de George Orwell, A Revolução dos Bichos. A diferença entre ambos está na maneira da narrativa dos acontecimentos. Agora, é usado um tom bem sensual e tem músicas de tirar o fôlego.
Escrito durante a Segunda Guerra Mundial, A Revolução dos Bichos é basicamente sobre poder e política. O livro nos mostra como a sociedade pode facilmente cair nas mãos de um tirano — sem ao menos se dar conta — e onde qualquer projeto que visa a igualdade pode ser sabotado em nome da ganância de tão poucos. Hoje, ainda é considerado um dos livros clássicos e obrigatórios para alunos do ensino médio e, apesar de ter sido escrito há mais de 70 anos, continua tendo forte caráter atemporal.
George Orwell dificilmente imaginou um de seus romances mais aclamados ser contado de uma maneira um tanto quanto vulgar. O estilo teatral cabaret é mundialmente conhecido pela sensualidade extrema, usando e abusando de elementos do fetichecore para contar e/ou performar histórias. Com isso em mente, vemos nessa montagem única como a fazenda Granja do Solar caiu nas graças de uma ditadura.
Nessa montagem contamos com um elenco incrível, nele temos: Amanda Vicente, Bruna Guerin e Luci Salutes (alternantes), Dan Cabral, Dennis Pinheiro, Fabiana Tolentino, Flávio Bregantin, Fernando Lourenço e Pedro Silveira e a orquestra é formada por Fernanda Maia (piano), Clara Bastos / Pedro Macedo (baixo), Felipe Parisi (violoncelo), Bruna Zenti / Thiago Brisolla (violino) e Priscila Brigante (bateria).
Com letras e direção de Zé Henrique de Paula, junto às composições e direção musical de Fernanda Maia, esse cabaret dançante apresenta tudo que hoje, como brasileiros, vemos nos noticiários. Com um texto atualizadíssimo, o cabaret em cena cria uma performance do premiado romance orwelliano, trazendo e lembrando acontecimentos importantes da politica do nosso país, incluindo os acidentes de Brumadinho e Mariana, o assassinato e silenciamento de Marielle Franco e Anderson (presentes!), e até fazendo alegorias com símbolos muito utilizados pela extrema direita brasileira. O elenco tem um papel fundamental, quase que genial, em trazer tudo isso à vida. Quem assiste consegue sentir na pele tudo que acontece com os animais da Granja do Solar, das — poucas — felicidades até a dor da última cena.
O espaço onde o musical acontece é incrível, todo preparado para a temática, ele cria um ambiente parecido com os que viam nos cabarés de londres dos anos 70 e ambienta todo mundo que vai assistir para o período que a história é contada ali, há bastante interação com o público, para quem gosta, dá uma imersão maior a história contata.
O que deixa tudo mais imersivo é o trabalho dos atores em palco, eles falam diretamente pra quem ta assisto, olho no olho mesmo, às vezes do lado ou até mesmo sentado no seu colo caso esteja sentado mais perto. O trabalho de atuação deles é incrível, o destaque fica para Pedro Silveira, que consegue se fazer tão grande no palco e que é o narrador principal de toda a história, segurando o tom que o espetáculo pede do começo ao fim.
O musical ficou em cartaz em curtíssima temporada no Núcleo Experimental, merece demais um retorno com uma temporada mais longa, é um espetáculo necessário que traz uma mensagem clara e um lembrete para outubro, precisamos fazer a escolha certa para não cairmos nas mãos (novamente) de um tirano.