Há algo profundo e poético, quase cinematográfico, na ideia de “dobrar uma esquina” e no que essa ação carrega em sua multiplicidade de possibilidades. Ao longo de uma década de carreira, Anavitória tem dobrado inúmeras delas: cada curva, uma reinvenção; cada desvio, um universo de experimentações, surpreendendo até mesmo seus fãs mais antigos.
A trajetória da dupla é marcada por uma originalidade que redefine os contornos da música pop contemporânea brasileira. Com três Grammys Latinos em seu repertório, incluindo um grande reconhecimento pelo seu último trabalho “Cor” (2021), elas reafirmam sua relevância na cena musical com o passar dos anos. Mais recentemente, a colaboração com Liniker em “Ao teu lado” não só ampliou sua paleta sonora, como apontou Ana Caetano e Vitória Falcão para novos horizontes criativos.
Agora, com o lançamento de Esquinas, seu quinto álbum de estúdio, Anavitória não apenas revisita os cruzamentos que moldaram suas vidas adultas, mas projeta uma nova identidade artística em uma obra que se revela como a mais ambiciosa de sua carreira.
Lançado de forma independente, Esquinas é um disco que une amadurecimento sonoro e profundidade conceitual. Desde a faixa de abertura, “Se eu usasse sapato”, a dupla convida o ouvinte a abandonar o conforto dos últimos trabalhos. As vozes de Ana e Vitória se entrelaçam em harmonias mais progressivas, que evocam a ousadia de Rita Lee & Tutti Frutti nos anos 70, estabelecendo uma introdução mais hipnótica para o disco.
O crescimento artístico da dupla é palpável em cada composição. No disco, suas vivências mais maduras traduzem-se em um álbum que é ao mesmo tempo nostálgico e inovador. É uma obra que demanda tempo, pedindo ao ouvinte que explore suas camadas líricas e sonoras em múltiplas escutas. Músicas como “Minto pra quem perguntar” e “Espetáculo estranho” encapsulam essa dualidade, transitando entre vulnerabilidade emocional e arranjos que flertam com o experimental, sem jamais abandonar a essência melódica que define a identidade de Anavitória.
Embora o álbum apresente momentos em que se aproximam de zonas mais repetitivas e previsíveis de sua carreira, como em “Ter o coração no chão” e “Quero contar pra São Paulo”, ele também entrega faixas primorosas como “Doce futuro”, onde o esmero da produção e a busca por novos territórios criativos brilham. O trabalho de composição de Ana Caetano segue como o ponto alto do projeto, equilibrando reflexões pessoais com temas universais, enquanto a produção revela uma inquietude em constante evolução.
A reta final do disco, “Navio ancorado no ar”, tem um cenário mais introspectivo, que encerra com uma reflexão delicada sobre tempo e escolhas. O monólogo de Vitória nessa faixa é um raro momento de contemplação profunda, um último convite ao ouvinte para revisitar suas próprias “esquinas” pessoais. É uma meditação sobre o passado, o futuro e as dúvidas que nos acompanham a cada curva.
Com Esquinas, Anavitória reafirma sua capacidade de crescimento, ao mesmo tempo em que convida seus fãs e admiradores acompanharem esse processo de amadurecimento. Ainda que nem todas as decisões sejam infalíveis, o álbum é um marco significativo na jornada da dupla, um ponto de reflexão e um convite a seguir adiante; talvez sem todas as respostas, mas com uma perspectiva renovada.