Bad Bunny é um fenômeno. Ponto. Varre posições em milhares de charts, emplaca turnês estrondosas e já cravou seu nome entre a crítica especializada e grandes premiações. Sem dúvidas, o porto-riquenho de 30 anos passou pelo menos os últimos 5 entregando canções memoráveis em discos como Un Verano Sin Ti e El Último Tour Del Mundo.
Mas, muito além de fazer sucesso dentro e fora da internet, um traço interessante — que foi ganhando cada vez mais espaço a cada lançamento — são as ligações de Benito Martínez à sua terra natal, Porto Rico. Mesmo enquanto seus primeiros grandes hits pendiam para um reggaeton chiclete e com forte apelo pop, ao longo de sua jornada sempre existiram menções ao lugar onde nasceu.
Em DeBÍ TiRAR MáS FOToS, seu novo disco, o que não foge à vista são os lados políticos e culturais do lugar que chama de lar — uma ilha vinculada e, por tabela, constantemente atravessada pelos impactos e influências dos Estados Unidos — incluindo sua indústria cultural. Ele também não é o primeiro a denunciar como a xenofobia e o racismo se traduzem de diversas formas por lá — algo vivenciado não exclusivamente por ele, mas por outros artistas latinos, e, sobretudo: por pessoas de diferentes nacionalidades.
É uma posição política e geográfica que ele mesmo identifica como inescapável — mas que se torna uma escolha ao tomar um lado. Faixa destaque para isso é a forte “LO QUE LE PASÓ A HAWAii”. Não que antes isso não fosse um tópico: “Él Apagón”, do disco anterior, já falava sobre a agressiva exploração de terras porto-riquenhas.
Pois bem: as particularidades que o atravessam enquanto indivíduo se tornam mais simbólicas quando ele escolhe, por meio da arte, levar para seu trabalho as questões de território, memória e pertencimento. Quando escolhe trabalhar exclusivamente com artistas porto-riquenhos nos feats de diferentes estilos, como na romântica “WELTiTA“, parceria com a banda Chuwi.
Ou então, ao incluir gêneros como salsa (todas as faixas neste estilo foram arranjadas pelos alunos da Escuela Libre de Música), plena e bomba, presentes, por exemplo, na dobradinha “PIToRRO DE COCO” e em “CAFé CON RON” (colaboração com os tradicionais Los Pleneros de la Cresta), e emplacando essas faixas em charts nos quais esses estilos nunca foram uma constante.
E tudo se torna mais grandioso diante do processo de Martínez em perceber possuir uma grande plataforma que lhe permitiu orquestrar tudo isso,sendo grande o suficiente para encarar a recepção de uma parcela de público que antes talvez não tenha se dado conta do que ele representa, também, politicamente.
Aliás, isso com um disco lançado quase no “susto”, num domingo, e ainda assim batendo recordes em menos de uma semana de lançamento. Não que o trabalho tenha sido veiculado pensando em charts — mas numa indústria em que Bad Bunny é um indiscutível hitmaker, soa bonito e gratificante ver a boa recepção e os frutos positivos desse trabalho.
Muito disso se dá pelo forte apelo ao público conquistado por Benito, mas ele o merece, sendo comprometido com a coerência do trabalho. Pontos para a capa no fundo de um quintal com bananeiras e duas cadeiras de plástico cultuando a memória afetiva da cultura latina de casa de avó (“Ey, hoy voy a estar con abuelo to’l día, jugando dominó/Si me pregunta si aún pienso en ti, yo le digo que no”). Ponto também para os visualizers do Spotify e o merchandising com uma versão fofuxa do sapo Concho — espécie nativa de Porto Rico. O apelo estético é meticuloso, mas nada artificial.
Por fim, é esse comprometimento que entrega um disco que transita por temas influenciados por dembow e reggaeton mais para o lado urban music, sendo “NUEVAYoL” (uma abertura irretocável) e “EoO” faixas com esse forte apelo. Mas, logo adiante, apresenta salsa em faixas como a tristíssima “BAILE INoLVIDABLE” e “DtMF”.
Entre convites para o perreo em “PERFuMITO NUEVO” e letras tristonhas como a de “TURiSTA” para transitar entre um término e a exploração turística agressiva em Porto Rico, Bad Bunny é capaz de inserir o tema que carrega o título do álbum de diferentes formas. Ao se propor a entregar e sustentar um conceito como o de “DTMF”, Benito celebra e traduz o respeito, carinho e preocupação com o lugar de onde veio.
Quando escolhe brincar com as palavras (“BOKeTE”, por exemplo, é uma analogia para falar de ruas esburacadas de San Juan e um relacionamento fadado ao fracasso e não: nenhuma relação com o português) e contar histórias sob diferentes óticas, só se reforça o quão interessante é seu repertório artístico. E, junto a isso, sua sensibilidade com o próprio trabalho e o que ele representa para quem o ouvir.