Crítica | Billie Eilish, “HIT ME HARD AND SOFT”

Experimental, expansivo e dinâmico, novo álbum de Billie Eilish surpreende e tem potencial arrebatador.

A maioria das famílias convencionais reúne histórias comuns de irmãos: que brigam, que combinam até certo ponto, que se apoiam em alguns aspectos ou que não funcionam dentro da mesma casa. Não é o caso dos O’Connels. 9 anos atrás, quando Billie tinha apenas 13, “Ocean Eyes” ganhou vida no quarto em que compartilhavam momentos e ressignificou o espaço e a vida de ambos. De lá pra cá, Oscars, Grammys e o mundo foram parar nas mãos dos jovens, que se revelaram muito mais que acasos ou talentos passageiros.

Agora no terceiro álbum de Billie, “HIT ME HARD AND SOFT”, a dupla permanece imbatível na produção e composição de 10 faixas. Nadando contra a corrente de álbuns imensos e melodias insossas e intermináveis, o “conciso” álbum está longe de ser, no entanto, preguiçoso. Fugindo também das pílulas de TikTok com músicas de um ou dois minutos e repetições pensadas apenas em virais em potencial, encontramos canções bem estruturadas e que ultrapassam os 4 minutos — com três delas, passando dos 5. 

SKINNY abre o disco com uma guitarra no melhor estilo intimista “lo-fi” e uma orquestração que mostra a grandeza para a qual o disco veio, seguida por LUNCH, a primeira faixa a ganhar um clipe para o álbum. Suas batidas e o baixo bem marcado e um piano divertido fazem lembrar outros hits da cantora, como a famosa “Bad Guy“. Com uma vibe mais “veranesca” e divertida que a anterior, no entanto, o trabalho mostra que não estamos ouvindo uma reciclagem, e sim uma evolução nos trabalhos da cantora, que agora assume sua bissexualidade e diverte com uma letra atrevida sobre “lanchar” uma garota. 

A produção é uma arte a parte. Se você ouvir o álbum com um fone de ouvido, vai perceber brincadeira de FINNEAS desde a primeira faixa, quando Billie cita os palcos e ouvimos os gritos de uma multidão, ou quando na segunda, ouvimos um carro frear tentando desviar de sua presa em potencial.

Em uma sequência já muito boa, CHIHIRO consegue superar e ser o primeiro grande momento do disco. Em seus pouco mais de 5 minutos conseguimos saborear os sussurros típicos de Billie e sua atmosfera mais camuflada, que se transforma num drum and bass mesclado com um synth-psicodélico que explode e nos leva para camadas inimagináveis de do mais puro prazer sonoro. Os vocais de Billie, outrora tão tímidos, ganham contornos mais proeminentes no momento certo, nos guiando em uma viagem deliciosa. BIRDS OF A FEATHER traz uma canção aparentemente mais leve e calma, com arranjos de violão, vocais mais proeminentes e melodias mais doces, em uma vibe que combinaria bem com o momento de resolução de filmes românticos perfeitos para espantar qualquer mal. 

Billie Eilish para o HIT ME HARD AND SOFT (crédito/reprodução)

THE GREATEST se encaixa no meio do álbum, devolvendo uma conotação intimista em uma faixa aparentemente “sussurro e violão”. Confessional e com uma das melhores letras do disco, a canção muda a rota da própria produção se despede da calma e delicadeza para dar lugar ao soft rock num estilo “Happier Than Ever” — escancarando vulnerabilidade e o sentimento de liberação enquanto Billie questiona um relacionamento falido. 

L’AMOUR DE MA VIE segue, parecendo uma canção romântica que deixa pistas de algo maior está à espreita, e chega. Com uma bateria crescente e um sintetizador repentina, o som parece rasgar a faixa e abrir caminho para um magnetismo futurista, sem poupar nas distorções na voz e a áurea clubber para fechar o momento com chave de ouro.

THE DINER chega na sequência com uma canção divertida e de sonoridade despretensiosa, que nos lembra algo antigo e moderno: a batida viciante com o que parece um sample dos anos 40 e vocais que arriscam brincar na melodia. BITTERSUITE é mais um delicioso synthpop que flerta com a melancolia e a leveza, antes de se transformar em algo mais sujo e pesado que leva seu tempo para nos encantar e estranhar até a última música do disco, “BLUE“.

Sendo um ótimo resumo sonoro do disco, a faixa final parece reunir diversos elementos funcionais do álbum: a batida bem marcada, uma guitarra que borda as melodias e as camadas vocais de Billie, a transparência sobre uma relação falida e as viradas inesperadas, que fazem parecer quase três músicas em uma, e encerra referenciando a orquestra da primeira faixa — fazendo com que o álbum ofereça viagem completa que te guia em universos distintos e te devolve ao lugar de partida.

Impossível é terminar o disco e transitar por emoções, sensações e experimentações sem se afetar. Se em vários momentos do disco Billie escancara vulnerabilidades e honestidades relacionáveis e questiona, em “THE GREATEST”, ter perdido algo que poderia ser “o melhor”, é aqui que ela se diferencia dos meros mortais e encontra seu maior triunfo. Atualmente, a sensação é de que ninguém na indústria da música consegue fazer o simples soar tão requintado, o intimista parecer tão grandioso e acertar em tantas experimentações

Em “HIT ME HARD AND SOFT” as sutilezas aterrizam em sucesso, e os momentos expansivos são tão marcantes que não apenas se encarregam de dar vida e direção a um disco tão bom, mas também de balançar as caixas de som e os demais produtores — que deveriam tomar notas em como é possível ser excelente nos mínimos detalhes e fazer jorrar arte, honestidade e musicalidade com identidade e maestria. 

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