Blonde, um dos filmes mais aguardados dos últimos anos finalmente chegou à Netlfix em meio a declarações polêmicas e desnecessárias do diretor Andrew Dominik — que recebeu a oportunidade de fazer um filme que honrasse o legado e a figura de Marilyn Monroe. O que vimos foi muito diferente disso.
As quase três horas de duração trazem imagens maravilhosas, transições interessantes e uma atuação visceral de Ana de Armas — mas parece ter sido feito por alguém que detesta a atriz (e figura) de Marilyn, e tenta diminuí-la a todo custo. Fica difícil fazer uma crítica comum a um filme como Blonde, então vamos separar em duas esferas. A começar pelos pontos positivos:
Ana de Armas. A atriz está deslumbrante, fenomenal. Faltam adjetivos para elogiar a atuação e entrega vistas em cena. Sinceramente, Ana nos presenteia com a melhor atuação inspirada em uma pessoa real que vimos em anos: e sim, Kristen, o posto era seu com a também incrível Diana em Spencer. Os maneirismos, a voz aveludada, a sensualidade e o brilho de Marilyn estão todos aqui. Na verdade, desde o primeiro minuto da atriz em cena já nos fez esquecer que era uma interpretação, só enxergamos Marilyn ali.
As (muitas) cenas de tristeza, tensão e vulnerabilidade são entregues também de forma sublime, fazendo com que sintamos repulsa, compaixão e empatia. Tudo isso graças somente à atuação de Ana.
A fotografia também é muito bem acertada, quase impecável. A direção de arte, figurinos, cenários e ambientações, todos muito bonitos. Algumas cenas são tão bem construídas (visualmente falando) que, com os êxitos técnicos somados à atuação de Ana de Armas, pensamos estar vendo uma gravação de arquivo de Marilyn, e não um take gravado atualmente. E é isso, ok? As coisas boas acabam aqui.
Com quase três horas de duração e classificação etária de 18 anos, é um tanto surpreendente que, em pleno 2022, tenhamos um filme sobre uma figura feminina tão importante e dirigido de forma tão machista e misógina. Enquanto em Elvis, que como falamos aqui, conseguimos ver não apenas um resgate muito acertado do ícone do rock para as novas gerações, mas também a “devolução” de um brilho já muito desgastado pela cultura pop, Blonde parece feito para acabar com o legado de Marilyn Monroe.
Com uma vida cheia de polêmicas e tópicos sensíveis como abuso (físico e psicológico), estupro, aborto e outros, o filme passa suas três horas focado apenas nisso, retratando Marilyn como uma pessoa totalmente traumatizada, desequilibrada e inconstante. Em dado momento, além de cansativa a repetição de abusos e tristezas do filme, começa a se causar uma revolta pelo que é mostrado em cena. E poderia ser proposital, caso fizesse mais que denunciar os abusos da indústria do cinema, certo? Porém o filme se perde de novo.
Isso porque Blonde consegue perpetuar e ser mais uma espécie de abuso à história de Monroe. Quando o diretor tira todo o brilho da vida, carreira e impacto deixado pela atriz, o filme se torna uma exibição repetitiva de coisas ruins — e sendo mais um filme sobre Marilyn, dirigido por um homem, que parece ter sido feito apenas para explorar sua figura sexualmente, mas agora no corpo de Ana de Armas.
O roteiro, inspirado em um livro de mesmo nome escrito por Joyce Carol Oats, parece recortar as passagens de sexo da história, isolá-las de muito sentido, profundidade e significado, e colocar de forma desconfortável para subjulgar, mais uma vez, a figura de Marilyn ao esvaziamento sexual. As passagens de tempo são confusas — sendo pontuadas algumas vezes, outras não. Alguns diálogos são desrespeitosos e de extremo mal gosto, e diversos personagens brotam na tela como meros figurantes, pouco importando o impacto ou o papel que algumas daquelas pessoas tiveram na vida da artista.
O uso das imagens coloridas em certos momentos, e outras em preto e branco, também não segue nenhum recurso estético. Não representam ponto de vista, flashbacks ou marcas temporais: estão ali no pior estilo “porque sim” — e infelizmente, esse é um dos menores problemas.
No fim, o filme se torna cansativo e revoltante, fazendo com que a beleza visual e da atuação de Ana se tornem pouco para se elogiar diante de tanta violência e mal gosto. Ana poderia presentear as novas e futuras gerações com um refresco e um resgate grandioso da artista que Marilyn foi, mas infelizmente, parece cair na mesma teia de abusos e exploração às quais a artista original foi submetida.
Para a entrega, caracterização e atuação de Ana de Armas, nossa nota é 100. Para o filme como um todo, infelizmente, dar nota 30 parece muito.