É difícil não saber quem é Jack Harlow em 2022. O rapper do Kentucky está na capa das revistas e jornais, é rosto das campanhas publicitárias da New Balance, atração principal em festivais ao redor de todo o globo — fez um ótimo e explosivo show no Lollapalooza Brasil em março —, aparece frequentemente no topo dos charts e, como se ainda não bastasse, é presença confirmada nos desfiles de moda e eventos de gala com os maiores artistas do mundo. Tudo isso em dois anos, numa das ascensões meteóricas mais notáveis dos últimos tempos. No entanto, Harlow vem conquistando espaço pelas beiradas da música pop há quase uma década.
Dizem por aí que o rap é o novo pop, não só pelo contexto cultural que os gêneros estão inseridos na modernidade, mas também por abrangerem artistas que exploram diversas vertentes na maneira de se produzir música para uma geração imersa no mundo digital.
Foi justamente nesse leque de opções para poder transitar entre referências e tendências do mercado que Harlow se formou como um artista hip hop, até porque ele mais versa e rima variando seus flows do que explora bridges e refrões cantados; a maioria dos sons, aliás, possuem instrumentais influenciados pelas tendências do trap, do urban e até do R&B. Entretanto, é evidente que Jack moldou sua carreira artística através de um background repleto de pilares da música pop do fim dos anos 90 e início dos anos 2000. É daí que vem o approach rap-pop das tracks, prato cheio para o público mainstream.
O popstar rapper (ou rapper popstar?), lançou em 2020 o debut That’s What They All Say, em homenagem à sua cidade natal e à todos aqueles que o ajudaram a realizar o sonho de chegar no mainstream. O disco, robusto e honesto, foi o pontapé inicial perfeito de um artista promissor.
Nascido em Louisville, no Kentucky, Harlow e o amigo e excelente artista Bryson Tiller ajudaram a colocar a cidade no mapa do rap norte-americano. O duo, inclusive, possui alguns projetos sociais e culturais por lá, incluindo o conhecido Private Garden, label que conta com um time de produtores e artistas que auxiliam e produzem trabalhos independentes de jovens pela cidade.
Esse é um dos pontos que fazem o garoto de apenas 23 anos ser respeitado por artistas da cultura mesmo ainda tão novo: a ciência e o respeito do eu-lírico das tracks em relação às raízes históricas do rap.
Jack Harlow quase soa unânime entre artistas mainstreams; a sensação que fica para os desavisados é que, aparentemente, todo mundo gosta dele, pelo menos na indústria. Kanye West, seu maior ídolo e provavelmente o maior artista hip hop do século XXI, recentemente fez um post no Instagram exclusivo apenas para elogiá-lo pelo lançamento do single “Nail Tech”.
Os feats com Bryson Tiller, Lil Wayne e vários outros são amados de norte a sul. “Industry Baby”, uma das melhores faixas de 2021, com Lil Nas X, rendeu ao MC três nomeações no último Grammy e diversos outros prêmios.
Então, o que dar a um homem mais do que respeito, sucesso, dinheiro e fama? Essa é a suposta busca do original de Louisville em seu novo disco, Come Home The Kids Miss You.
Ele faz pose de bad guy, tem o sexy appeal adorado por todos e é, de fato, um gigantesco produto, mas é intrínseco na personalidade do também produtor que o maior combustível de sua carreira é a gana pelo sucesso.
Se no debut Jack dissertou sobre o caminho até o topo, destrinchou suas “dificuldades” para ser aceito na indústria e relembrou a infância com família e amigos, neste segundo disco de estúdio o MC parece tentar lidar com vida pública e a paixão pela música com o cinismo de quem sempre soube que um dia alcançaria o estrelato. Soa como se o rapper tivesse escrito o roteiro de sua carreira há uma década atrás. E hoje o segue à risca.
Harlow é rap, é pop, não esconde seu amor por Justin Timberlake, basquete e até mesmo Ronaldinho Gaúcho; esse é um dos pontos altos aqui, a versatilidade de flows, trocadilhos e métricas de rimas para sempre dar um jeitinho de inserir uma referência da cultura pop numa track que tenta fazer o ouvinte se mexer.
É glamuroso, dinâmico e polido, mas quando se tenta olhar um pouquinho além da superfície, o sucessor de That’s What They All Say não surpreende. Há faixas que realmente merecem a atenção do ouvinte por suas composições (“Young Harleezy”, “Side Piece” e “State Fair”), mas, majoritariamente, Come Home The Kids Miss You é um ato complacente de vitória de Jack Harlow sobre ter realizado seu sonho de infância. E só.
Ele utiliza samples de Fergie em “First Class” — clipe que traz a brasileira Anitta — e de Pharrell em “Side Piece”, conta com a participação de Snoop Dogg na intro “Talk of the Town” e até recruta o próprio Williams para a boa groovy-bass “Movie Star”. O time é incendiário, mas o resultado, num aspecto geral, é morno.
O álbum ganha brilho quando o rapper une forças a Drake em “Churchill Downs”, faixa a la “Do Not Disturb”, de 2017. Os versos de ambos são similares e muito agradáveis para grandes massas, ultrapassando a superficialidade e entregando boas reflexões acerca da vida de um popstar. Excelente track.
“Parent Trap” também merece destaque, com Justin Timberlake engrandecendo o som em um dos melhores refrões da carreira nos últimos anos (não que a tarefa fosse tão difícil assim, né?).
A love song “Lil Secret” explora a sonoridade Urban e agrada, mas são nos hits trap influenced “I’d Do Anything To Make You Smile” e “Dua Lipa“ que Jack convence e mostra por qual motivo é um dos artistas mais populares da atualidade: ele já sabe o que fazer para estar em evidência na indústria. É provocante, audacioso e instigante, por isso atrai tantos flashes e plays nas plataformas, mas mesmo assim não parece ser o bastante, pelo menos não por enquanto.
Ainda que Harlow possua todos os motivos para celebrar e convidar os ouvintes para festejar ao seu lado, as quinze tracks soam repetitivas, o que torna a experiência do ouvinte cansativa. Para quem está numa ascensão meteórica, não corresponde às expectativas.
O segundo álbum de estúdio da discografia não é um grande passo à frente de Jack Harlow em sua carreira, mas entrega faixas muito bem produzidas e que provavelmente serão figurinhas carimbadas nas maiores playlists e rádios por todo o planeta. Por fim, se a premissa for apenas comemorar a realização do sonho de um artista novo que ainda aparenta tentar entender o seu lugar entre a fama e a notoriedade, até que cumpre seu papel. Se tenta entregar algo a mais, falha.
Come Home The Kids Miss You justifica o sucesso de Harlow por seus bons hits e feats populares, mas ainda está bem longe de ser a obra que o fará ser lembrado. A dúvida que fica é: será que Jack ainda tem algo a mais a dizer? Tudo indica que sim, mas a caneta para escrever os próximos capítulos apenas ele próprio pode ter.