Nos últimos dez anos, Halsey já passeou por diversas personas e sonoridades, nunca se limitando a um só personagem. De cantora alternativa do Tumblr à popstar dona de inúmeros hits, a carreira da artista é marcada por projetos versáteis que exploram, a cada álbum, uma nova faceta de Ashley, seu nome de batismo. Em seu quinto disco, a intérprete de “Without Me” desafia ainda mais a sua versatilidade e encarna diretamente suas maiores influências musicais, tudo isso para contar a história de sua quase morte.
The Great Impersonator faz jus ao seu título (“O Grande Imitador” em tradução livre), refletindo não apenas as referências aos artistas que Halsey ‘imita’ ao longo das 18 faixas, mas também a alusão à própria Ashley, que constantemente ‘finge’ ser Halsey. A cantora compartilha a ironia de se sentir pressionada a performar como a persona que criou no início da década de 2010, enquanto escondia a maior batalha de sua vida: sua luta contra a leucemia e o lúpus.
Como forma de escape desse ciclo, Halsey dividiu opiniões ao levar o nome do álbum ao pé da letra e publicar uma série de fotos fazendo imitações de seus artistas favoritos, onde cada um é responsável por inspirar uma faixa do disco. Kate Bush, David Bowie e Britney Spears são algumas das personalidades canalizadas pela americana para a construção de uma tracklist confessional e autoral, a mais pessoal da sua carreira.
“Only Living Girl in LA” é responsável por abrir o álbum e definir o tom do projeto. Com produção simplória e minimalista, a música explora a solidão de Halsey em meio à euforia de Los Angeles. A cantora parece se desconectar emocionalmente de tudo que a cerca, afinal, LA é considerada a cidade do estrelato, algo que ela busca se afastar em um momento turbulento de saúde. Halsey traça um paralelo entre perder um documento pessoal, como sua carteira de motorista, e a perda de sua identidade, estabelecendo um elo que serve de base para o conceito principal do álbum.
“Ego”, inspirada pelo grupo The Cranberries, narra a luta interna da intérprete com suas inseguranças, e, como o título sugere, com seu ego. Embora o single se destaque no álbum pela sonoridade característica do rock dos anos 90, ele evoca a sensação de que já ouvimos essa música anteriormente. A segunda faixa de The Great Impersonator soa como uma reprodução indolente de “3am”, presente em Manic, disco lançado pela cantora em 2020, abordando até os mesmos temas em sua letra. O mesmo acontece quando Halsey arrisca uma homenagem à Stevie Nicks em “Panick Attack. A faixa lembra tanto “Dreams”, sucesso do Fleetwood Mac, que a balança entre inspiração e cópia barata se desequilibra.
A assombrosa “Dog Years”, destaque imediato na carreira da artista, a apresenta em uma posição de descrença em relação a sua recuperação. Citando a crença popular de que 1 ano da vida humana é o equivalente a 7 anos de um cachorro, Halsey constata que ela tem 196 anos e que já está muito fraca e cansada para continuar. “I Believe in Magic” aproveita o gancho melancólico e transborda emoção com uma reflexão sobre maternidade, envelhecimento e a diferença entre as gerações de Ashley, sua mãe e seu filho.
Se permitindo ir ainda mais fundo, “Life of the Spider”, música que a autora definiu como a mais triste de seu repertório, é um desabafo cru e tão íntimo que faz o ouvinte se sentir desconfortável e invasivo ao escutar a canção. A mensagem de voz ao ex-namorado, com quem Halsey teve um filho, expõe os últimos dias de seu relacionamento e narra o abandono sofrido pela cantora após o seu diagnóstico de leucemia. Já “Arsonist”, homenagem à Fiona Apple, segue a mesma temática e define o ex-companheiro como um incendiário impiedoso e cruel.
As três versões de “Letter to God”, que servem como interludes, viajam por diferentes momentos da vida de Ashley e, como o título sugere, funcionam como orações a Deus. Elas estabelecem um paralelo entre a Halsey criança, que implora por doenças para chamar a atenção dos pais, e a Halsey adulta, já enferma, que clama aos céus pela cura, atormentada pela possibilidade de deixar seu filho de três anos para trás. São nos momentos mais íntimos que o disco faz sentido e ganha vida, apesar do tom mórbido, a artista consegue estabelecer um frágil equilíbrio de seus problemas pessoais com temas mais ordinários, dessa forma, o projeto não se torna maçante e cansativo.
Em síntese, The Great Impersonator é um pastiche que não tenta se definir sonoramente. Halsey se permite experimentar todos os sons que a cercam e a inspiram, afinal, o álbum foi feito do ponto de vista de alguém que trabalhava em seu último projeto em vida. O contraste entre “Lucky”, single radiofônico inspirado na música homônima de Britney Spears, com a alternativa “The Great Impersonator”, homenagem a Björk, ilustram o repertório versátil e sem limites da americana, que usa de suas referências para criar um som que ressoa intrinsecamente com sua identidade.
Embora a leitura de seu quinto álbum possa parecer confusa e sem identidade definida para o público geral, a base de fãs cultivada pela artista na última década terá mais facilidade em absorver as novas músicas, afinal, Halsey sempre deixou claro que nunca se contentou em ser uma única versão de si mesma.