Tropicoqueta funciona como um retrato vívido da artista que Karol G se tornou

“Tropicoqueta” celebra as batidas de todo um continente, com os brilhos e tropeços que essa tarefa exige

É inegável que a música latina seja uma expressão popular. Ela aparece no volume alto das ruas, nas letras que gritam amor e abandono, nos arranjos que transformam sentimentos em dança. E mesmo quando vira produto da indústria, ainda carrega toda essa diversidade que assusta quem espera sutileza. Na verdade, parte da aversão em torno da música latina, especialmente o reggaeton e seus derivados, ainda está na dificuldade norte-americana de aceitá-la como legítima, sensual e popular. Mas é justamente nesse terreno, onde melodia e emoção se sobrepõem à técnica e formalidade, que novos artistas florescem.

Karol G entende isso melhor do que ninguém. Ao longo da última década, ela deixou de ser apenas mais um nome da música colombiana, para se tornar uma figura central do pop global. Entre a ascensão de Mañana Será Bonito, com os recordes nas paradas e a construção de uma persona, Karol consolidou seu lugar como grande artista; traduzindo sentimentos em hits com bilhões de reproduções como a recente “Si Antes Tu Hubiera Conocido”, mesmo quando a crítica insiste em cobrá-la por profundidade. Seu diferencial nunca foi uma grande reinvenção estética, mas a autenticidade com que se movimenta dentro do que muitos chamam de clichê.

Em Tropicoqueta, ela dá mais um passo nesse caminho de reencontro com a música latina: uma ode tropical-pop que brinca com as suas raízes de forma ainda mais exuberante. Com 20 faixas, o disco assume de cara a missão de ser um tributo, e entrega um projeto que não tenta ser contido nem coerente; ele quer ser celebrado.

Para o álbum, Karol G flerta com ritmos diversos como bolero, salsa, merengue, cumbia e até mesmo o funk brasileiro em “Bandina Entrenada”. Mas diferente de Mañana Será Bonito (2023), seu disco mais emocional e introspectivo, Tropicoqueta aposta em amplitude, não em profundidade. O resultado é um compilado colorido e festivo, que prefere celebrar a pluralidade sonora da música latina do que desconstruí-la.

Logo na abertura, faixas como “Ivonny Bonita” e “LATINA FOREVA” reafirmam o que Karol G já faz com naturalidade: unir vocais sensuais com batidas de reggaeton intensas, prontas para a pista e vídeos virais. Por outro lado, “Papasito” e “Cuando Me Muera Te Olvido” apontam para seus novos experimentos de explorar camadas diferentes da latinidade. O último, por exemplo, transforma o clássico “Careless Whisper”, de George Michael, numa cumbia com sabor tropical e nostálgico, como a trilha sonora de um verdadeiro romance mexicano.

E essa dualidade, curiosamente, funciona. Ao contrário de Shakira e Bad Bunny, que muitas vezes abraçam uma latinidade sempre filtrada pelo olhar global, Karol G permitiu ser totalmente regional, até mesmo de forma exagerada, como em “Ese Hombre Es Malo”, uma ranchera-pop dramática, ou “No Puedo Vivir Sin Él”, com instrumentos que simplesmente evocam os tradicionais bailes do Caribe. São faixas que funcionam como homenagens sinceras à música de suas raízes, mesmo que não reinventem seus códigos ou tenham grandes resultados nas paradas musicais.

Mas, a variedade de estilos também cobra o seu preço. Há um excesso de faixas no álbum, onde algumas delas se arrastam ou soam como variações menos interessantes da mesma fórmula. Há, por exemplo, a presença tímida de boas faixas como “FKN Movie” com Mariah Angeliq e “Viajando Por El Mundo”, que não comprometem, mas também não acrescentam. O espaçamento estranho dos singles também contribui para um desequilíbrio estrutural, como LATINA FOREVA” e “Si Antes Te Hubiera Conocido” (a mais antiga e também a mais sólida do projeto) estarem separadas por um oceano de faixas.

Mas, a própria Karol G se esforça em manter o álbum de pé, mesmo em seus momentos menos inspirados. Sua entrega vocal não é das mais técnicas, mas é doce e envolvente. Como artista, ela entende o jogo da indústria pop: nem sempre é sobre originalidade, mas sobre timing, performance e construção de imaginário. E nisso, ela reina.

Tropicoqueta funciona como um retrato vívido da artista que Karol G se tornou: uma popstar que entende o poder do seu repertório, e por isso, sabe alternar entre o hit comercial e a homenagem sincera; entre o reggaeton que a consagrou, e os ritmos que moldaram um continente. Ela reconhece que a força da música latina está justamente em sua capacidade de acolher contrastes, exageros, melodias e emoções. E talvez seja por isso que, mesmo com seus altos e baixos, o álbum soe tão vivo.

70/100

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