O que faz um set de DJ ser um set de DJ é o som ter um pouco de tudo para todo mundo — e essa experiência KAYTRANADA, ou Louis Kevin Celestin, simula com maestria em seus discos.
Nascido no Haiti e radicado no Canadá, o produtor deu início em sua carreira e dominou o começo dos anos 2010 com seu som inspirado em ícones do house ao hip-hop, como J Dilla e Madlib. E entre uma série de mixtapes, remixes, e sua estreia barulhenta com o álbum 99.9% (2016), o artista cravou seu estilo como distinto na indústria, facilmente identificável em hábitos como a sua sobreposição de sons, baterias roucas e muito groove. Mas em “TIMELESS”, lançado em junho deste ano, KAYTRANADA mostra que ficar na familiaridade nem sempre traz o mesmo êxito que o visto em seus trabalhos antigos.
Introduzido como uma fusão de 99.9% e Bubba (2019), o álbum investe em temas dançantes e faixas recheadas de colaborações. A aparição de grandes nomes é, inclusive, de longe um dos pontos altos do disco. Ela firma KAYTRANADA como um excelente curador para as suas composições: com Tinashe, PinkPantheress, Childish Gambino, Anderson .Paak, Thundercat e parceria inédita com Don Toliver, o musicista garante um elenco carismático e incrustado de estrelas.
E, para acompanhar o porte dos seus convidados, Celestin investe na diversidade de sons. Momentos afrobeat e funk dão espaço para a brincadeira de .Paak de viajar entre cantado e rima, enquanto Tinashe traz elegância com o R&B mais tradicional. Literalmente, tem para todos os gostos, já que a versatilidade se derrama por toda a produção. O que KAYTRANADA gabarita em “TIMELESS” é justamente essa capacidade de se moldar a cada um de seus features, trazendo estéticas diferentes e que combinam com o estilo do artista convidado. Individualmente, as faixas são ousadas, precisas e divertidas, por serem tão particulares e diferentes umas das outras.
Apesar de não ter gerado um hit grande como “Intimidaded” com H.E.R., e “YOU’RE THE ONE”, não é difícil encontrar potencial para um nessas collabs. Mas na coletânea de excessivas 21 músicas, contraditoriamente, é fácil esquecer o que foi escutado. Com crossfade e transições entre as faixas para simular um verdadeiro set de DJ, o álbum se estende e se torna redundante em alguns pontos. Especialmente os momentos exclusivamente instrumentais parecem muito similares entre si, gerando uma grande canção prolongada por uma hora e três minutos.
As produções, assim, são mais interessantes quando escutadas individualmente do que em conjunto. O fato de KAYTRANADA investir em beats cíclicos no decorrer do álbum também não contraria a ideia de que o álbum é cansativo na íntegra — afinal, as músicas seguem o mesmo padrão repetidamente, sem quebras ou mudanças de ritmo. Isso torna a experiência bem mais previsível.
“TIMELESS” prova, sim, que KAYTRANADA aperfeiçoou sua produção. São músicas que ainda demonstram um talento em criar sequências criativas, como um R&B marcante, uma batida chiclete ou uma música ideal para ouvir de plano de fundo. Mas o trabalho não sustenta a expectativa que foi criada ao longo desses cinco anos sem trabalhos solo, especialmente quando comparadas às brilhantes e experimentais “LITE SPOTS” (2016) e “10%” (2019), por exemplo. No fim, apesar do exagero no número de músicas, o álbum mantém a qualidade do artista, só evidencia que ele permaneceu em sua zona de conforto. Em 2016, escutar batidas que vão do psicodélico ao house foi um divisor de águas — mas, em 2024, não traz o mesmo impacto, já que é algo que já escutamos antes.
Se KAYTRANADA tivesse se permitido experimentar mais e se deixasse investir no lado mais peculiar de seu som (que sabemos que existe), talvez “TIMELESS” pudesse ser ainda mais marcante de sua maneira, ao invés de empalidecer em relação aos seus precedentes. Para quem não é familiar com o artista, ainda vale a descoberta e a jornada — e que baita jornada, de 21 músicas totais. Entre elas, uma (pelo menos) irá agradar.