Em meio a batalhas judiciais com acusações pesadas de abuso sexual, tortura física e psicológica de mulheres, Marilyn Manson lançou seu 12º álbum de estúdio, One Assassination Under God – Chapter 1, no final de novembro deste ano. O trabalho, que saiu pela Nuclear Blast, conta com 9 faixas e deve ganhar uma segunda parte em breve.
A trajetória de Marilyn Manson, pseudônimo de Brian Hugh Warner, é marcada por inúmeras controvérsias e polêmicas desde a sua primeira aparição nos anos 1990. A mídia americana já tentou ligá-lo ao Massacre de Columbine porque os atiradores eram fãs de sua música, por exemplo. Algumas instituições religiosas são críticas ferrenhas à sua obra e figura pública pelas mensagens de contestação ao cristianismo com crucifixos invertidos e performances envolvendo imagens religiosas, principalmente a partir do álbum Antichrist Superstar (1996). Sem contar no uso cênico de violência, símbolos nazistas e, entre outros temas, o abuso de álcool e drogas.
Todos esses episódios e características acabaram se fundindo à obra e à persona criada por Marilyn Manson, um “outsider freak contra um sistema de normies”. Toda a performance criada pelo artista em cima do palco, em suas aparições públicas e em seus clipes ficaram cada vez mais inseparáveis da pessoa por trás de toda a maquiagem e figurinos extravagantes justamente pela maneira com que Manson faz questão de confundi-las. O que coloca um borrão naquela velha discussão entre separar o artista de sua obra.
No entanto, esse borrão vem sendo passado a limpo a partir do momento em que as “polêmicas” se materializaram em denúncias reais. Assim como aconteceu com ícones da cultura pop como Michael Jackson, chegou a hora e a vez do acerto de contas de Manson com os seus fãs. A linha é bem tênue entre a necessidade de acreditar nas vítimas para que o ciclo de abusos se encerre e o tempo da justiça que nos diz que o acusado é inocente até que se prove o contrário.
Entre as acusações contra Manson, destaca-se o relato da atriz e cantora Evan Rachel Wood, documentado pela HBO em Phoenix Rising. Ela e o músico tiveram um relacionamento entre 2007 e 2010, quando ela tinha 18 anos e ele 37. Nesse período, segundo Wood, ele cometeu abusos que incluíam uso forçado de drogas e álcool, estupros, privação de sono, tortura física e psicológica, além de isolamento social. O impacto desse caso foi crucial para a criação da Phoenix Act, lei que ampliou o prazo de denúncia para vítimas de abuso doméstico e fortaleceu o movimento #MeToo.
Todo esse panorama ficou oficialmente público em 2021 e ainda está em andamento. Algumas acusações de outras vítimas vêm sendo negociadas financeiramente com acordos entre a defesa e os denunciantes. Marilyn Manson nega todos os casos, alegando serem falsos e distorcidos, tendo dito frases como “jogo de vitimização” e “história de horror”.
Desde a primeira denúncia que Marilyn Manson não havia lançado nenhum trabalho novo. Seu último álbum, We Are Caos, é de 2020, e teve uma repercussão negativa na crítica por ser considerado fraco. Depois de todo esse imbróglio jurídico, ele promete um ressurgimento com Assassination Under God – Chapter 1, mostrando um resgate ao shock rock do qual ficou famoso. Nos quatro videoclipes dos singles lançados, “As Sick As The Secrets”, “Raise The Red Flag”, “Sacrilegious” e “Assassination Under God”, é explícita a tentativa do uso de imagens de um Marilyn Manson jovem e destemido, embora encurralado, mas pronto para o ataque e conceitualmente chocante.
Em “Sacrilegious”, por exemplo, é possível vê-lo usando uma coroa que remete à do Papa, como se ele fosse um Deus. Em algum momento da música, ele pergunta: “Quão fundo você cavou a minha cova?” Embora nenhuma palavra tenha sido dita para explicar o conceito, lembra o velho Manson tentando ainda impactar com símbolos religiosos, mas se esquecendo de que não estamos mais nos anos 1990. A composição é quase irônica, como se o feitiço virasse contra o feiticeiro, aquele que acusou a vitimização se vitimizando.
A fórmula clássica do shock rock de Marilyn Manson se repete nos demais clipes: ele segurando figuras que remetem ao Diabo como um bode, cenas escatológicas dele envolto em uma espécie de placenta como se estivesse renascendo, metais nos dentes, sua figura estranha e quase não humana sem sobrancelha e hiper pálida. Uma novidade é que agora a banda tem uma mulher, a guitarrista Reba Meyers, que já foi questionada sobre as acusações de Manson e disse que tem “orgulho em perdoar”.
Para os fãs de longa data a fórmula ainda funciona, principalmente sonoramente. O artista vinha experimentando outras musicalidades em álbuns recentes, chegou a flertar até com o blues, mas é no campo do rock industrial e do metal gótico que os fãs brilham os olhos. O novo trabalho parece seguir uma estratégia em três frentes: apelar à nostalgia, suavizar a imagem pública com a presença feminina na banda, e resgatar a figura mítica de um Manson mais jovem, agora reinterpretado como alguém que ressurge após ser “apedrejado”. Contudo, essas escolhas são passíveis de especulação, já que o artista permanece indisponível ao assunto, com comentários desativados em suas redes sociais há meses.
One Assassination Under God – Chapter 1 tem uma abordagem mais introspectiva, tratando de temas como religião e mortalidade. No entanto, o que se questiona é se o álbum traz respostas sobre as acusações que o músico enfrenta. A interpretação mais provável é que ele utilize temas como moralidade e autocrítica como um modo de reflexão sobre sua própria situação. A vulnerabilidade no trabalho é notável, algo raro para Manson, conhecido por sua persona provocadora e desafiadora. O álbum também pode ser visto como uma tentativa de “transformação”, como se ele tentasse se reinventar após as polêmicas.
65/100
*Se você sofre violência doméstica ou conhece alguém nessa situação, não hesite em denunciar, ligando 180.