“Coisas Naturais” ecoa uma Marina Sena transcendental e almática

A primeira trinca de projetos de Marina Sena fecha com a sensação de um mergulho numa nascente de água quente e transformadora

“Tudo é muito mais que essa sua ótica pequena e frágil” é um dos ótimos trechos de Coisas Naturais, terceiro álbum de estúdio de Marina Sena, que mais ecoa o destino que ela quer que você, ouvinte, atinja: ela está totalmente segura de onde se encontra. Os dizeres da música “SENSEI” e o ritmo passional replicam uma ideia de envolvimento transcendental que perduram por todo o projeto.

Os tipos de ritmos que Marina solta pelo disco inteiro são diversos. Essa marinada de embalo e gêneros não é totalmente inédita dentro do cenário da boa música brasileira recente. O que mais se destaca por aqui é a variedade de direções que impulsiona a mixagem de Janluska e Gabriel Duarte, despertando em cada faixa um efeito sonoro que abraça o tropicalismo e se entrelaça com a música contemporânea.

Para a artista, a condução para tornar um projeto como esse tão bem diluído dentro de sua proposta é tratada com extrema certeza. É nítido o orgulho de Marina Sena em transportar para o mundo real um trabalho que esbanja segurança em tudo que ele escorre.

Não que tal confiança não venha de hoje, mas no Coisas Naturais a fé em ceder o corpo e alma para o interior do disco é vívida e imbatível; ao falar “Meu coração pediu mais atenção / E quando eu dei, vi que já não tinha mais solidão / Me encantei com a vida inteira” (na insana e tema de novela “Mágico”) cria-se uma ideia de autoamor belíssima de se escutar.

Além de ser gostoso ver onde a exaltada produção do disco coloca Marina, é ainda mais interessante analisar como o ouvinte pode se encontrar nessas fases. Uma primeira audição sem dúvida desponta como “uau, isso é uma situação nova”, mas numa terceira ou quarta visita, já é possível declarar “ok, isso definitivamente algo novo”.

Se com o tempo o Coisas Naturais não for lembrado como seu melhor, ainda assim merece ser visto, sem dúvida, como talvez o mais potente no meio dos outros discos que desfilam sobre um tapete de pura sofisticação, onde desde o primeiro momento não houve espaço para o mínimo, somente realizações absolutamente extraordinárias. A primeira trinca de projetos de Marina fecha com a sensação de um denso mergulho numa nascente de água quente e transformadora.

Mesmo que “Numa Ilha” traga os melhores dizeres quanto o mar e amar, a sensação do êxtase — carregado de calor e conduzido por batidas quase alucinógenas — se espalha por várias faixas. O lirismo, sempre guiado pelo natural do mundo, do ser que sente às emoções dos próprios elementos da terra, constrói um ecossistema poético de beleza rara.

“SENSEI” é até na sua parte mais básica uma obra-prima. Construída via um ritmo gelado, prestes a eclodir em efervescência pela acalorada canção seguinte (“Lua Cheia”), a faixa evidencia a soturnidade que o álbum inteiro não tem para gerar o momento mais genuíno e profundo de todos.

Do mesmo modo que a artista compromete-se a expandir o seu repertório para com sua arte e entregar vestes inéditas, ainda é possível vê-la dentro do seu corpo de costume. O Coisas Naturais se distancia da pose mais eletrônica do Vício Inerente ao apresentar texturas novas e um tom acalorado ainda pouco explorado pela artista.

Mas é a entrega na junção de todas as canções que transforma tudo que é natural dentro da narrativa do disco numa obra extremamente poética e lúcida, onde não se pula nenhuma peça; seja para escutar dos pés a cabeça o movimento marítimo de Marina Sena com seu talento ou para chegar na esplendorosa “Ouro de Tolo“.

Se usarmos a água de metáfora, quanto de amor cabe na totalidade do ser humano se fossemos mar? E se, na verdade, formos rio? O tamanho e o propósito são os mesmos? Tais dores da vida, desejos, fábulas, ou como queira chamar, são tão naturais como o movimento da água, mas nunca será possível descobrir o quanto do nosso cabe no outro.

Porém, sem dúvida alguma Marina Sena sabe fazer a trilha sonora estridente perfeita para trazer luz a esses pensamentos.

95/100


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