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Crítica | “Medusa” paralisa pela quebra do reflexo induzido

Colocando em planos iguais o debate entre fé e liberdade, “Medusa”, filme de 2021, chega aos cinemas brasileiros em março deste ano

Requer muita braveza contestar como seguir um tipo de dogma oprime. Usar o cinema como ferramenta para reverberar os imensos contextos que uma situação como essa possa causar é uma opção inigualável, afinal, essa arte serve para inúmeras intenções que se reduzem a um propósito: contestar. “Medusa” faz isso, e com muito frescor.

O fio explosivo do longa de Anita Rocha da Silveira é acendido por algo brutal: um grupo de jovens colocam máscaras de porcelana e vão, sempre à noite, como criaturas depravadas e noturnas, atacar mulheres que desfrutam de um tipo de condição e liberdade sexual que a religião manifesta como imperfeito e condenável. Todo esse contexto exalta que essas meninas precisam e querem gritar, mas o véu da santidade cobre tal liberdade.

Se fosse possível descrever em termos não lúdicos, “Medusa” se passaria num tipo de período pré-cyberpunk; no canto da margem que corre para preencher. Em termos de visual e história, é como se o filme de Anita Rocha criasse ativações neurais em sua própria história para ficar cada vez maior.

O passo para fora da contenção no enredo envolve a fé que priva e massacra de modo inebriante, mas desfigurando a alienação que vem sempre do local por conta do terceiro indivíduo. Parte disso se dá pela configuração que os atos têm, estando fora da igreja e levando a protagonista para cores e ações fortes e selvagens que a descrevem como humana.

A obra não tenta abordar que se desqualificar dos quesitos de uma religião lhe torna um ser depravado, mas sim, sobre o quanto o estado de espírito de uma situação que beira a possessão possa quebrar. Isso surge com apreço em conectar a colisão dos mundos, sempre usando de bandeiras levantadas com alto teor em não temer absolutamente nada.

A progressão de Marina (da insana Mari Oliveira) de fora para dentro de si e de dentro para fora daquele dogma que a reprime, é louvável. É imperceptível ver a protagonista passar por um tipo de metamorfose até que a máscara que ela usava para caçar ganha outro sentido; uma simples marca vermelha na região dos olhos.

O mesmo desse peso da balança se equilibra para o lado de outra importante personagem da trama, Michelle, interpretada lindamente por Lara Tremoroux. A metáfora que a circunda em estar sempre maquiando-se, atenua também com um caminhar natural e impávido o ato de esconder a veracidade e desejar, não por conta própria, não ver aquilo que oprime.

Esses núcleos do filme firmam um terreno que, se andasse um pouco mais rápido, iria facilmente ser uma das obras mais marcantes do cinema nacional recente. Entretanto, o efeito é proveitoso de todo jeito e responsável por uma narrativa densamente bem elaborado. Sempre girando em torno do reflexo que um ser encontra de frente ao espelho e que é fator de uma imagem autoinduzida, principalmente por atos e pensamentos absurdos levantados pela vontade e psicopatia do outro, vindo de uma raiz absurdamente funda, mas não irreparável.

Medusa” encontra tantas bifurcações quanto aquelas presentes em qualquer humano que ousa se mostrar diferente ao que é muitas vezes considerado irresponsável; é um estudo bravo dos dias atuais e de uma sociedade doente que aparentemente não apresenta muitas mudanças.

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