Crítica | Michael Kiwanuka, “Small Changes”

Se distanciando de suas obras anteriores, cantor aposta – de forma arrebatadora – na sutileza
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Quem conhece, mesmo que minimamente a discografia de Michael Kiwanuka, ao ouvir os primeiros minutos do seu quarto disco Small Changes, já percebe que o título é mero eufemismo. Seus trabalhos anteriores, seja o auto-intitulado vencedor do Mercury Prize ou o catapultado pela série Big Little Lies, Love & Hate (2016), mostraram ao mundo um artista bem diferente, mais volumoso, expansivo e com mais apelo. E seu quarto registro vai totalmente ao lado oposto, distante do público cativo, mas próximo do âmago do artista.

De fato, o mundo também se alterou drasticamente entre seus lançamentos. Cinco anos atrás, com Kiwanuka (2019) ganhando crítica e público, ainda vivíamos um período pré-pandêmico, onde a sociedade se comportava de uma forma e a indústria fonográfica idem. O artista entende as mudanças acontecendo, mas Small Changes deixa claro que as alterações do mundo e do intérprete acontecem em velocidades diferentes, como se Kiwanuka estivesse em um casulo vendo a vida alheia correr, enquanto faz do registro um reduto da efemeridade.

Por mais que não seja unanimidade no mainstream, os trabalhos de Kiwanuka deram todos os holofotes que o artista precisava, o que deu mais liberdade para que pudesse trabalhar no novo registro, porém, tal liberdade se contém na introspecção que o cantor e compositor trabalha ao longo das músicas. O cerne de Kiwanuka ainda está lá, mas sua sonoridade R&B que se assemelha a Black Pumas agora dá lugar a lampejos de balada soul do final dos anos 1970 que dividem espaço com levadas woodstockianas.

Faixas como a de abertura “Floating Parade” e “One and Only” mostram que o artista ainda consegue cativar o ouvinte. Porém, ao invés de impactar pelo épico, Kiwanuka prefere fisgar pela alma. Se Love & Hate e Kiwanuka pareciam viajar entre o céu e inferno, essa produção na verdade se encontra em um meio termo – que não seria um limbo ou muito menos a Terra. Na verdade o que mais se assemelha seria um período pré-morte: quando a obra tenta alçar os céus, o baixo bastante marcado a coloca no chão; quando dá indícios que vai descender, o backing vocal e os trabalhos de guitarra a recolocam no lugar.

Mas a escolha pela sutileza e introspecção tem seu preço. Pelos seus arranjos bastantes homogêneos, a obra se coloca em um platô que por vezes soa conformista. Definitivamente é um álbum que só funciona se escutado de cabo a rabo e, se possível, imaginado como uma jam de 40 minutos – que deve ter sido a intenção inicial de Kiwanuka também. Pontos altos como “Lowdown (part i)” e “Lowdown (part ii)” são exemplos perfeitos de quando tal aspecto funciona para florescer a imersão do ouvinte na obra, mesmo assim, as duas partes, mesmo com apenas cinco minutos de duração juntas, parecem um dos devaneios gigantescos do Pink Floyd – no bom e mal sentido.

Small Changes fica com a sensação de que falta algo, seja um solo de guitarra extremamente sensual, um coro com aspecto de igreja gospel ou um conjunto de cordas propositalmente melodramático – sim, talvez a peça faltante seja uma Cold Little Heart — porém, o talento de Kiwanuka consegue contornar tal lacuna e também é bastante certeiro no convite de desacelerar o ouvinte para preencher seu interior, antes de procurar a completude no mundo externo.

77/100

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