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Crítica | Milton Nascimento e Esperanza Spalding, “Milton + esperanza”

Um adeus sonoro: ‘Milton + Esperanza’ sela o legado de Milton Nascimento

Lançado em agosto deste ano, o álbum “Milton + Esperanza”, de Milton Nascimento e da contrabaixista e compositora de jazz Esperanza Spalding, destaca não apenas mais uma das várias amizades internacionais de Milton, mas também simboliza uma despedida calorosa de sua histórica carreira musical. Aposentado dos palcos e nitidamente debilitado por conta da idade, ele mencionou que este pode ser seu último trabalho, tornando a colaboração com Esperanza uma celebração de ternura e quase onírica.

Desde que a cantora, compositora e baixista norte-americana teve contato com o trabalho de Nascimento por conta da parceria com o conterrâneo Wayne Shorter, em Native Dancer (1975), Spalding sempre buscou diferentes maneiras de incorporar as criações do artista de alma mineira, e inclusive passou a ter aulas de portugues para interpretar a canção Pontes de Areia. Por tanto, o repertório colaborativo não é uma obra do acaso, e sim um álbum que levou décadas sendo idealizado por Spalding. Essa admiração é palpável ao longo das músicas e nas conversas entre os dois, refletindo também o carinho que o público compartilha pela arte de Nascimento. Essa conexão profunda contribui para a rara coesão do disco, que funde o universo jazzístico, a música brasileira e diversas influências, incluindo composições de The Beatles e Michael Jackson.

Como um discípulo que reencontra seu mestre com encantamento e a sensação de desafio, a instrumentista costura um repertório que vai de faixas como “Outubro”, originalmente gravada no primeiro disco de Nascimento, a todo um conjunto de músicas inéditas que buscam replicar a atmosfera dos grandes trabalhos do cantor.

O álbum começa com uma conversa entre Nascimento e Spalding, onde ele recorda ter acordado de um sonho ao som de música. A primeira canção, “Cais”, da obra Clube Da Esquina (1972), dissolve qualquer dúvida sobre a força do artista de 81 anos. A nota colossal que eles sustentam juntos durante a performance é um lembrete de que, com Milton Nascimento, nunca é um completo “adeus”. Ao longo das 16 faixas e interlúdios, as texturas contrastantes de suas vozes evocam uma delicada intensidade, levando à reflexão sobre a passagem do tempo e a durabilidade da arte.

Como Esperanza ressaltou em entrevistas, a força de Milton reside em seu espírito e em sua capacidade de transmitir a voz da “Terra”. Nessas entrevistas, ele compartilhou lembranças de sua infância, especialmente uma que se conecta diretamente com o álbum. Em 1955, aos 13 anos, Milton lutava para aceitar as mudanças da voz e chegou a considerar parar de cantar pois “não queria ter voz de homem, porque homem não tem coração”, contou o cantor. No entanto, foi ao ouvir Ray Charles que redescobriu seu amor pela música.

A voz singular de Nascimento, que influenciou gerações, ganhou uma nova dimensão. Em várias faixas, como “A Day in the Life”, composição original de John Lennon e Paul McCartney, onde sua voz agora serve como um apoio para Esperanza, explorando tons mais baixos que de costume. Embora sua voz aos 81 anos esteja mais baixa e às vezes exija mais esforço, ela mantém um aconchego inegável, refletindo a maturidade que proporciona uma presença reconfortante ao longo de todo o álbum, como segurar a mão de um avô.

“Milton + Esperanza” não é apenas um álbum — é um testamento da continuidade e do impacto da música brasileira, refletindo a rica interseção entre o jazz e a MPB. Ao unir as vozes de Milton Nascimento e Esperanza Spalding, a obra se transforma em um diálogo profundo entre gerações, onde a experiência e a maturidade de Milton se encontram com a ousadia e a reverência de Esperanza. Essa colaboração transcende a simples criação musical; ela celebra a amizade, a admiração e a busca pela beleza artística.

Cada faixa do álbum revela um pedaço da história de Milton, desde suas memórias de infância até a adaptação de suas canções clássicas. A reinterpretação de “Morro Velho” com a Orquestra Ouro Preto exemplifica essa conexão com as raízes da música brasileira, enquanto novas composições ecoam a essência do seu legado.

À medida que o álbum flui entre o inglês e o português, entre nova e antiga geração, fica claro que Milton, mesmo sentado em seu sofá no Rio, de moletom e crocs em frente à televisão, de onde assiste a horas de novela todos os dias continua a ser uma voz vital, uma ponte entre passado e futuro. O espírito que permeia “Milton + Esperanza” é uma lembrança de que a música é atemporal e que a arte nunca realmente diz adeus.

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