A artista francesa que sabe criar batidas com o rigor e o perfeccionismo de uma sinfonia de Bach. Autêntica e etérea, mesmo com o apoio de A. G. Cook (Charli XCX, Troye Sivan) e Danny L Harle (Caroline Polachek, Dua Lipa), Oklou consegue se manter totalmente fiel a si mesma, jogando com suas próprias regras. Ao mesmo tempo, a artista permenece conectada e perdida na imensidão, onde se retrata como um enigma dentro de sua própria música; mesmo quando a ouvimos, nunca a conhecemos de fato.
O “brat summer” acabou, e indo contra todos esses excessos propostos pelo pop eletrônico ultimamente, Choke Enough canaliza a ambientação abafada, estranhamente calma, e o transe sensorial daqueles vídeos do tipo “você está no banheiro de uma festa e esta música começa a tocar” — lembra disso? Na ausência de um ritmo pulsante, seus timbres sintéticos em constante mudança criam o efeito de uma escultura em construção vista de diferentes ângulos — um estado de transformação contínua que nunca chega a uma conclusão definitiva, característica que permeia a maior parte do álbum.
A faixa de abertura, “Endless”, se desenrola para uma balada nebulosa e, por fim, para um solo de teclado hesitante e encantador: um som de oboé, um instrumento de sopro, entra na mixagem antes de, quase envergonhado, ceder novamente espaço para Oklou. A influência do melodismo medieval é sensacional, mas, claro, sem deixar as pistas de lado. Em “Harvest Sky”, com participação da cantora norte-americana Underscores, a faixa traz aquele brilho de eurodance dos anos 2000 — uma música que, alguns anos atrás, facilmente teria uma versão com David Guetta.
Oklou e sua flauta sintetizada trocam melodias em “Thank You for Recording”, como uma princesa cyberpunk da Disney em dueto com um pássaro robótico pousado em seu dedo — uma Branca de Neve em ecstasy. Os sons remetem a uma sinfonia infantil, em que cada instrumento representa um personagem diferente.
A afinidade de Oklou pela composição barroca é impressionante. O frenesi de “ict” tem um refrão de trompete que poderia ter sido escrito no século XVII, enquanto a clarineta digital e o pandeiro de “Obvious” soam como tivessem saído diretamente de uma feira renascentista. Tudo em Choke Enough gira em torno de um universo próprio construído pela artista francesa, que aqui ao lado dos dois produtores, sabem fazer com que batidas digitais se tornam tão naturais quanto um instrumentais orgânicos de séculos atrás.
Em geral, sentimos até um pouco de nostalgia ao lembrar da Grimes do “Antigo Testamento” em seu álbum Visions (2012). Não necessariamente pelas músicas, mas por esse talento em fazer o eletrônico soar tão angelical e quase tridimensional. O trabalho de Oklou é consciente da teoria musical, do contexto histórico e, acima de tudo, da capacidade dos sons de carregarem diferentes significados. É implícito o conhecimento acadêmico musical depositado nesse projeto. Mas a produção é tão expressiva e dinâmica que faz a composição das letras parecer um pouco engessada —e é aí que o estranhamento pode acontecer.
Choke Enough, à primeira impressão, parece mais interessante em sua forma geral do que emocionalmente envolvente, dificultando a captação da atenção do ouvinte em uma rápida audição. Talvez seja proposital. A música pop frequentemente gira em torno da elevação pelo fácil acesso, servindo como trampolim para o sucesso. Não sei se é exatamente isso que Oklou busca. Porém, há um risco em pedir para o público de hoje desapegar do franqueável, limitando o álbum a um nicho já acostumado com esse tipo de som. Já para os de fora, soe intragável e difícil de entender (ou ironicamente simplório demais).
A Pitchfork utilizou a uma metáfora cirúrgica para descrever o Choke Enough e aqui pode encaixar idealmente para tentar defini-lo, ao compará-lo com a concha de uma ostra: bela por si só, mas ainda mais fascinante pelo fato de abrigar uma criatura viva em seu interior. Choke Enough é um álbum vivo, que precisa de atenção, tempo e está em constante mudança para o ouvinte. É a música experimental em sua forma mais pura.