Crítica | Smiley cria mundo excêntrico e quase real

Com episódios pequenos e diretos, Smiley une a realidade a ficção em uma narrativa envolvente, precisa nos debates e realista

Com a chegada de final de ano, a procura por uma série ou filme que se passe nessa época é imensa. É gostoso parar e assistir algo leve em que esse período seja ao menos um pouco do foco — tanto para descontrair, quanto refletir sobre sua importância.

O natal chega com a importância de entender os valores do momento; e o ano novo com uma enorme pilha de decisões que nos perseguiram pelos próximos 365 dias. Mas, por que se privar de sentir? Por que tememos? Essas são algumas euforias que acompanham todo o grupo de protagonistas de “Smiley”, nova série espanhola da Netflix, que tem direção assinada pelo talentoso David Martín Porras Marta Pahissa.

“Smiley” tem como pano de fundo o Natal e Ano Novo, enquanto os dramas centrais se desenrolam nos oito episódios da série, mas seu ponto principal aqui é a indecisão que esses eventos anuais provocam em cada um de nós. São decisões, indecisões, mudanças racionais e irracionais que fazem sentido de forma diferente dentro de cada um dos personagens.

Ambientada em Barcelona, o programa questiona se duas pessoas serão capazes de superar todos os seus conflitos individualistas. Somos introduzidos à Àlex (Carlos Cuevas), que conheceu o suposto homem da sua vida, que sumiu depois de um date incrível. Com o ghosting a todo vapor e uma carinha de “sorriso” (smiley) ignorada, Àlex acaba ligando para o número que o tal moço deixou e cai na caixa postal, deixando então uma mensagem.

O ponto de virada da história acontece justamente aqui, onde Bruno (Mike Esparbé) é quem recebe o recado histérico e sincero. Bruno o retorna apesar da relutância, e os dois sentem a conexão somente pela linha de telefone e decidem se ver. Tudo que se segue é uma aparente invocação do destino em não mantê-los juntos.

Pode ser o universo, sim, tramando contra o casal. Àlex não acredita que Bruno é o homem ideal para ele pelo modo de pensar e ser. Bruno por sua vez pensa o mesmo de Àlex. Há apenas duas linhas de sincronia entre eles. A primeira, o modo em pensar que eles são errados um para o outro; a segunda, a atração física e mental, fazendo com que eles não se desgrudem, mesmo boa parte do tempo não estando juntos.

Tal jaula é montada com muita força pela escrita da série, que evoca debates incríveis que rondam muitas das temáticas da comunidade gay; aqui, tais discussões viram palco de reflexão, mesmo que superficiais, ainda sim válidas. Idade, aparência e bolhas contracenam com pontos que vão desde a monogamia e família.

Miki Esparbé desempenha um ótimo rolo de carga para o indeciso Bruno, e Carlos Cuevas é carinhosamente fofo e desconcertante — você pode lembrar dele em “Merlí”, ou caso não, fica aqui a sugestão de assistir a série. Mas nada supera a eletricidade dos dois juntos: é visceral.

É delicioso ver como a série acolhe tudo que decide colocar em seus braços com muito carinho. Absolutamente todas as vertentes que busca contar são bem empilhadas; mesmo que pareçam ser mostradas rápidas demais nos curtos episódios de menos de 40 minutos. Além do drama principal, as ramificações de personagens secundário ganham bons desenvolvimentos, o que torna a série ainda melhor de ser consumida.

A grande diferença da série é encontrar pontos importantes que se relacionem com a realidade de diversas pessoas no mundo real e os tansformarem em algo palpável, a ponto de que o que acontece em cena seja automaticamente correspondido com momentos do lado de fora, de quem está assistindo cada um desses acontecimentos.

Sim, é clichê. Mas é um clichê fora da caixa e que entrega algo naturalmente bom, gostoso de consumir, sem coisas controversas ou pesadas — coisas essas que pessoas LGBTQIA+ já estão constantemente acostumadas a serem retratadas como tal.

Smiley” busca acima de tudo, bem nas entrelinhas, abordar corajosamente o simples ato de questionar demais a felicidade e ser uma eterna constante. Isso não é ruim, é uma realidade. O precioso e poderoso ato em desejar, é aqui desenhado com bastante força por uma narrativa envolvente e que nos faz engolir tudo de uma só vez e ao mesmo tempo em doses unificadas.

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