Sufjan Stevens sempre foi um artista reservado, mas isso nunca foi um problema para quem já acompanha sua extensa carreira musical. Já era costume para seus fãs lidarem apenas com aparições relâmpago nas redes sociais e lançamentos de novas edições para trabalhos passados. No entanto, em 2023, uma postagem, mesmo trazendo uma mensagem tranquilizante, assustou quem o conhecia. Em um longo texto, Sufjan explicava que não estava tão participativo nas divulgações de seu novo álbum (Javelin) porque havia sido hospitalizado após descobrir que era portador da Síndrome de Guillain-Barré.
Para alguém que não costuma falar tanto sobre a vida pessoal, o post foi uma surpresa. Sufjan Stevens fez questão de deixar claro o quanto as últimas semanas haviam sido difíceis, mas ressaltou que o pior já havia passado e que, naquele momento, seu foco era na recuperação. Apesar do tom tranquilizador do texto e da afirmação de que estava se sentindo melhor, era difícil para os fãs não encararem a situação como algo alarmante. Entre discussões sobre energias positivas, permanecia uma pequena apreensão em relação ao estado de saúde do cantor —uma preocupação que, para alguns, poderia até gerar pensamentos mais negativos.
Por outro lado, mesmo que essa sensação pudesse parecer exagerada, lidar com tais sentimentos de forma natural também é possível. Essa naturalidade em contemplar os aspectos mais difíceis da vida de maneira serena foi algo que o próprio Sufjan já havia expressado. Em uma criação que mesclava melancolia com nostalgia, ele lançou um disco que ensinou as pessoas a entenderem que não há necessidade de se alarmar tanto com os caminhos simples e inevitáveis da existência. Quase dez anos antes, ele já havia apresentado ao mundo um relato único, profundo e comovente sobre amor e luto, resultando no que é, até hoje, seu melhor disco: Carrie & Lowell.
A melancolia presente no projeto é convidativa, mas, acima de tudo, profundamente particular. Sufjan lida de forma única com a morte da mãe, que abandonou os filhos quando ele tinha apenas um ano de idade. Tal atitude, à primeira vista, poderia ser suficiente para gerar julgamentos severos, levando Carrie Stevens ao tribunal das redes sociais. É fácil imaginar que qualquer mãe que decida simplesmente não cuidar mais dos filhos o faz por razões egoístas, mas a situação era mais complexa. Anos depois, ao reencontrá-la já casada com Lowell Brams (a outra figura inspiradora deste disco), Sufjan começou, aos poucos, a preencher as lacunas deixadas pelo abandono. O que antes parecia ser apenas uma decisão cruel revelou-se uma escolha dolorosa e necessária, motivada por questões de saúde mental e vícios que impediam Carrie de continuar presente na vida dos filhos.
Essa jornada de compreensão não resultou em polêmicas ou mágoas eternas no coração do filho. Pelo contrário, o sentimento que surgiu foi de curiosidade — o desejo de absorver o máximo de entendimento possível sobre essa figura materna tão ausente quanto enigmática. A peregrinação pessoal e emocional de Sufjan Stevens o fez não apenas atravessar as fases mais comuns do luto, mas também mergulhar em um estado de autodestruição física. Sexo desenfreado e abuso de substâncias tornaram-se recorrentes, como se alcançar um estado de euforia plena pudesse, de alguma forma, trazer as respostas que ele buscava sobre quem era sua mãe.
O resultado dessa busca está condensado em um trabalho de 43 minutos. Mesmo que a narrativa não seja tão dinâmica quanto se poderia esperar, ela segue um caminho instigante — seja pela ordem cuidadosamente estruturada das faixas ou pela liberdade do ouvinte em escolher um ponto de partida aleatório e ainda entender exatamente o que está acontecendo. Carrie & Lowell recebeu esse nome para destacar o papel essencial do padrasto na jornada de Sufjan. Lowell foi fundamental para preencher algumas das dúvidas sobre Carrie, sendo também uma figura de apoio importante na vida do cantor. Essa homenagem estende-se, inclusive, ao crédito que Lowell tem no sucesso da carreira de Sufjan.
Seu trabalho mais pessoal surgiu curiosamente a partir da decisão de incluir outras pessoas na produção do disco. Após sair de The Age of Adz (2010), onde explorou sonoridades experimentais, barrocas e eletrônicas de forma solo, Sufjan optou por um caminho diferente em Carrie & Lowell. O álbum, ainda profundamente seu, também mostrou que uma rede de apoio é tão essencial quanto o desejo de compreender um acontecimento marcante da vida — e, por extensão, a si mesmo.
O que o cantor apresentou há dez anos foi um compilado perfeito de suas angústias, marcado por uma honestidade desarmante sobre os extremos emocionais que enfrentou enquanto compunha cada música. Desde situações simples até reflexões intensas, tudo é transmitido com uma precisão emocional impressionante. O resultado reafirmou Sufjan como um artista que entende a importância de propósito em suas letras, algo traduzido e conduzido por seus vocais serenos, modestos e, acima de tudo, profundamente respeitosos.
Mesmo após enfrentar tantos dramas pessoais, Sufjan Stevens permanece vivo e coerente com o artista que sempre foi. É na introspecção que o público percebe o equilíbrio entre leveza e profundidade, algo que parece intrínseco à sua alma. A transparência com que ele homenageia e se despede transforma sua música em um receptáculo emocional, disposto a ser explorado e sentido por quem o ouve.