“Eu vou te contar minha história e você irá achar que é mentira”, escreveu Fernanda Young no poema “Nada é bom para mim”, recitado no documentário Fernanda Young — Foge-me ao Controle, que estreia nos cinemas no dia 29 de agosto de 2024. Dirigido por Susanna Lira, o longa-metragem mergulha no universo criativo da escritora, apresentadora e roteirista, e emerge no seu íntimo feminino e maternal em uma viagem poética pela sua vida.
Com cerca de 90 minutos de duração, o documentário conduz toda a sua narrativa usando um traço particular de Young: o rebuliço criativo. Sem qualquer linearidade temporal, Susanna escolheu manifestar a vida da multi-artista através de trechos de suas obras, desenhos de seus diários pessoais, poemas e roteiros de uma vida repleta de produções.
Fernanda Young – Foge-me ao controle é uma obra que permite um espaço seguro para as produções e intimidades de Young falarem por si só — toda a montagem do filme é feita a partir de uma vida criativa de Fernanda Young. Trechos dos livros “A Mão Esquerda de Vênus”, “Vergonha dos Pés” e “Tudo O Que Você Não Soube” conduzem o longa em com profundeza poética que por vezes é aliviada pelo humor ácido da escritora que ficou conhecida, sobretudo, pela série brasileira “Os Normais”, com Fernanda Torres e Fernando Guimarães.
Enquanto uma figura pública conhecida por suas fortes opiniões e personalidade quase anárquica, Fernanda Young é retratada como uma mulher consciente de suas próprias dores e traumas, doenças crônicas e questões psicológicas — ela mesma fala sobre como a depressão toma suas escritas e desenhos e como sua dislexia diagnosticada enquanto adolescente foi um fator determinante para explorar ainda mais seu lado escritora. A asma, inclusive por diversas vezes mencionada no documentário, foi a causa de sua morte em agosto de 2019, aos 49 anos.
Além de suas próprias batalhas internas e sua maneira de se expressar no mundo, o documentário ainda explora um retrato intimista de Fernanda Young através de trechos de entrevistas sobre sua relação com seu marido, também roteirista, Alexandre Machado, e sua relação com a maternidade junto aos seus quatro filhos, Cecília, Estela, Catarina e John. As reflexões vão além dos poemas profundos, mas também são pautas do documentário a vivência feminina e o corpo como expressão artística.
Fernanda Young – Foge-me ao Controle é tão disruptivo quanto a artista se propôs a ser em vida. A desordem proposital de informações junto a relatos poéticos da vivência apresentam uma Fernanda quase que de carne e osso — sem o peso que o sobrenome carrega em excelências líricas. Não é uma produção biográfica dentro dos moldes, mas tampouco Young foi.
Para quem não conhece a roteirista, apresentadora e escritora, provavelmente sairá dos cinemas parando na próxima livraria em busca de uma obra sua, já os fãs provavelmente irão voltar para casa com um apego nostálgico das aventuras de Rui e Vani. Ao fim, o documentário faz jus ao principal traço de Fernanda Young em vida: a habilidade em permitir que a arte conte sua história por ela mesma através do furor, da rebeldia e das intensidades de alguém que passou longe de todos os adereços do ordinário.