Crítica | Kylie Minogue, “DISCO”

Em “DISCO”, Kylie Minogue cria uma discoteca em plena pandemia, prova que adultos merecem se divertir e cria um dos clássicos mais consistentes e polidos de sua extensa discografia

Ouvir Kylie Minogue cantando sobre dançar em um clima de discoteca não é nada novo. Porém, o que também não é novidade é que em mais de 30 anos de carreira e 14 obras de estúdio já lançadas, ela consegue trazer essa essência em praticamente todos seus trabalhos sem soar como um “repeteco”. E “DISCO”, seu 15º álbum que estreou nesta última sexta-feira (06 de novembro), não fugiu à regra, mas dessa vez, entregando um trabalho puramente inspirado na disco music.

“DISCO” (2020)

Ao longo de sua discografia, temos vários exemplos da versatilidade de Minogue, sempre inserindo combinações diferentes para se “reciclar” como artista. Inclusive “reciclar” é realmente uma palavra que define, e muito, a carreira de Kylie, que desde os anos 80 sequer nunca ficou empacada em uma mesma fórmula e nem presa às “obrigações” do que um ícone da música pop deveria fazer.

Após trabalhos como “Kiss Me Once” (2014) em que flertou com o R&B, EDM  e até mesmo o urban, ou “Golden” (2018) que trouxe uma roupagem dance-country inédita para a artista, talvez nada seria mais inovador do que focar em um projeto inteiramente voltado à disco music!

Em um ano em que Dua Lipa e The Weeknd ditaram a volta dos anos 80, e com grandes atos como o “What’s Your Pleasure?” de Jessie Ware, Minogue mostra que sempre foi, e sempre será, antenada no que está acontecendo no mundo da música. E já que a discoteca está de volta, por que não aproveitar um terreno que ela conhece e vem carregando consigo em toda sua carreira?

“DISCO” (2020)

Descrito pela mesma como um “disco para adultos”, para provar que eles também podem se divertir e dançar como se tivessem 17 anos, a proposta de nos levar para uma atmosfera onde todos estamos em uma pista de dança teria tudo para dar errado em pandemia. Porém, foi ao contrário…

“DISCO” traz consigo um escapismo e não deixa sequer um minuto o ouvinte sem pelo menos mexer seus pés dentro do quarto. Em um timing muito propício, Kylie teve feeling o suficiente para oferecer canções felizes e super otimistas em um período de isolamento social, longes de qualquer clichê.

‘Magic’ nos apresenta logo de cara sobre o que se trata o álbum: uma coletânea do que parece ser clássicos da discoteca, de um modo adulto, polido, mas extremamente divertido. Pianos marcantes, baixos super suingados e sintetizadores vintages ditando os ritmos. Inclusive é essa a vibe de todo o trabalho, uma mistura de “já ouvi isso nos discos que meus tios ouviam”, com muito frescor e sem sequer parecer forçado.

Elementos característicos das “boates” como a introdução de ‘Miss a Thing’ e os falsetes característicos dos anos 70 de ‘Real Groove’ nos proporcionam os melhores momentos do trabalho, em conjunto com os elementos robóticos e setentistas de ‘Supernova’ e a grandiosidade melódica de ‘Say Something’

E nos oferecendo um momento tão icônico de sua carreira, desde joias como ‘Your Disco Needs You’, ‘In My Arms’ e ‘All The Lovers’, a artista nos oferece o notório hino das pistas de dança ‘Where Does the DJ Go?’, um verdadeiro tributo à Gloria Gaynor, desde a sonoridade até à letra.

O mundo está tentando me quebrar
Eu preciso de você para me salvar
Para onde o DJ vai, vai, vai?

O interessante é que em nenhuma faixa a artista fica presa nos anos 70 ou tentando ser algo tão icônico quanto ABBA e Bee Gees, apesar de vermos uma clara inspiração, porém, com o “DNA Kylie Minogue”. Prova disso é ‘Last Chance’, com backing vocals cantando no estilo Bee Gees, ‘I Love It’, ‘Dance Floor Darling’ e ‘Fire Wine’ (esta última da edição deluxe) que soam como refrescos e se tornam viciantes ao longo de suas durações.

Falar de evolução quando o assunto é Kylie Minogue seria um tanto quanto ousado, já que ela é uma veterana que conhece muito bem música e possui um repertório mega extenso.

Mas é fato que, quanto mais o tempo passa, aos 52 anos, é visível o quanto a cantora vem produzindo álbuns mais consistentes e com suas próprias palavras, sendo “DISCO” o terceiro álbum de sua discografia em que está assinando na composição de todas as faixas, e dessa vez até na engenharia de som.

Isso faz com que até mesmo momentos fora da curva como ‘Monday Blues’ tenham uma conexão com o todo, apesar de confusos e tortuosos. E isso inclui até as mais mornas e quase frias ‘Unstoppable’, ‘Celebrate You’ e faixas-bônus da edição deluxe, como ‘Till You Love Somebody’, ‘Hey Lonely’ e ‘Spotlight’.

“DISCO” (2020)

Quando pegamos o resultado por completo, existe uma linha muito tênue gerado pela extrema concisão das faixas: de um lado a harmonia de um dos álbuns mais consistentes de sua trajetória, de outro o uso dos mesmos instrumentos e bases em grande parte do trabalho, não proporcionando tantas surpresas ou até assemelhando muitas canções entre si.

Mesmo assim, os vocais soprosos e sedutores de Kylie vêm de várias formas e roupagens, seja em seus falsetes que “dão a graça” de algumas músicas, seja nos versos falados icônicos, ou até mesmo no uso conveniente de vocoder, deixando sua voz robótica e espacial.

O fato é que, “DISCO” é o décimo quinto álbum de uma cantora que há mais de 30 anos vem experimentando vários elementos, e consegue nos entregar a sua essência em diversas facetas com maestria.

E trazendo o mesmo espírito da discoteca em mais de uma dezena de reinvenções. Esse é, sem dúvidas um álbum embalado com muita energia e que, como todos lançamentos de Kylie Minogue, possui um nível elevado, muita qualidade e uma grande oferta de diversão. Soa como um clássico, adulto e polido.

Nota do autor: 
90/100

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