Crítica | Framing Britney Spears expõe mais do que uma luta por liberdade

‘Framing Britney Spears: A Vida de Uma Estrela’, vem levantando cada vez mais polêmicas sobre a curatela da artista

Lançado pela Globoplay e divulgado a partir do BBB21, o documentário “Framing Britney Spears” conta a situação complicada que a cantora passa, sob o ponto de vista dos fãs. Esse documentário foi produzido pelo The New York Times e entre os participantes estão: ex-advogados da família, pessoas que acompanharam a cantora no início da carreira e fãs envolvidos com o movimento #freebritney.

A grande questão que envolve o documentário é o fato de que desde 2007, ano que ficou conhecido na cultura pop como o ano mais difícil para a cantora, ainda tem enfrentado desdobramentos daquela ocasião (ano de lançamento de Blackout). Com 39 anos de idade atualmente, a cantora que está em atividade recebe a curatela do pai para tratar da sua vida profissional e financeira o que a impede de ter liberdade completa de suas decisões.

“A curatela é um instituto jurídico pelo qual o curador tem o encargo imposto pelo juiz de cuidar dos interesses de outrem que se encontra incapaz de fazê-lo. A nomeação do curador é feita pelo juiz, que estabelece, conforme previsão legal, as atribuições desse curador.” (Wikipédia)

Um fato bastante interessante sobre a curatela é o lançamento recente do filme “I Care a Lot” (Eu me importo) pela Netflix, que tem como enredo esse mesmo tema.

O movimento #Free Britney é formado por fãs que questionam essa curatela e com provas e teorias apoiam a cantora no processo que deu entrada na justiça para modificar a decisão e remover o pai como tutor. Além da denúncia, o documentário adentra espaços e nos dá acesso a pessoas que tiveram contato com a cantora e a conhecem com bastante intimidade, para além da denúncia, vale a pena destacar alguns pontos principais que o documentário nos ajudam a entender.

The New York Times / Britney Spears

Machismo

Quem assiste o documentário com uma leitura mais crítica das decisões de Britney, percebe que desde o início da carreira havia muita pressão sobre quem ela era e o que ela representava e isso pode ser percebido em alguns pontos do documentário. Primeiro que a gerente da sua primeira produtora se responsabiliza pela caracterização de Britney e a preocupação de criar uma personagem a partir da cantora que fosse do colegial mas que falasse de coisas que as garotas do colégio gostariam de falar e não podiam.

“Ela capturou aquela dicotomia tão bem. O que uma adolescente é. Garotas adolescentes querem ser adultas.” Kim Kaiman – Diretora de Marketing Senior (1998 – 2004)

Em algum momento um repórter questiona o fato de Britney ter um visual que faz referência a Lolita. O que Britney nega por achar ofensivo. Ofensivo ou não, a questão é, o que ela gostaria de ser ou cantar? Ela se expressava enquanto cantora ou ela representava? De fato, Britney, viveu um período mais difícil e de muitas transições na indústria musical.

No entanto, para a época, e nascida em uma cidade conservadora isso foi visto como desrespeitoso e durante o começo de sua carreira isso foi visto como condenável para os mais conservadores e curioso para os simpatizantes. É importante ressaltar que todo esse movimento da cantora abriu os caminhos para as que vieram após ela, se tornando assim referência. Outra questão que ronda as pressões que Britney enfrentava, era o fato de ser quem era e representar quem ela representava, ou seja, uma mulher branca na sociedade americana e que “naturalmente” deveria seguir caminhos pré-definidos. Caminhos muito menos questionáveis á época.

Deixando de ser um fenômeno teen enquanto Britney se tornava adulta, ela namorou o então integrante de uma boyband, Justin Timberlake, o namoro que era bem visto por todos teve um fim questionável. O machismo aqui aparece em sua face mais cruel quando namoro com o Justin termina. Segundo Justin ela o teria traído e o mesmo lançou uma música que viria a ser muito famosa. Música que pegou carona com esse fato. O documentário mostra várias entrevistas em que Britney está na posição de culpada e em alguns ela até chora. Enquanto Justin a expõe em programas de rádio e promove sua música após o término. Naquele momento, as discussões sobre machismo eram pífias então as agressões vieram por todos os lados e o documentário apresenta isso muito bem.

O casamento com Kevin Federline talvez seja um dos pontos mais complicados de Britney. A cantora que até hoje paga pensão ao ex-marido para manter o nível de educação e status sociais das crianças, afirma no documentário que se casou pelos motivos errados e mais uma vez soa como o que parece ser alguém cedendo a pressões sociais como “Sou uma mulher, tenho que casar, ter filhos e só assim minha vida será completa e só assim serei uma mulher de verdade”. Neste momento que apresenta a Britney se convencendo de que “a vida é assim e o caminho é esse”. Em algumas entrevistas a cantora sinaliza que deixaria a música para se dedicar exclusivamente a família. Quando tudo isso parece desmoronar, a mídia pesa sobre Britney e então começa a fase mais difícil da sua vida pessoal e profissional.

The New York Times / Britney Spears

Perseguição de paparazzis

O assédio da mídia sempre foi uma constante na vida de Britney, mas se intensificou quando seu casamento parecia não ir bem. Esse assédio em nível estratosférico confluiu para o episódio de 2007. Enfrentando diversos problemas pessoais, de auto estima e sendo constantemente atacada pela mídia, Britney se cansa dessa posição de “todos os olhos em mim” e passa a promover respostas representativas. O que ficou conhecido como colapso, analisando hoje, a partir do documentário é possível perceber que não havia nada de errado com a Britney mas sim com a forma que a mídia a assediava.

Um detalhe bastante interessante do documentário é o movimento dos fotógrafos, primeiro um fotógrafo explica que antes dos fotógrafos serem autônomos, eles eram contratados fixos de algum veículo de comunicação e desenvolvia o seu trabalho a partir dali, com a perda desses contratos e a popularização da fotografia profissional eles se viram afunilados pelo fato de conseguirem renda a partir de fotos exclusivas vendidas a altíssimos preços a essas revistas. O que foi o caso do fotógrafo que fez as fotos da Britney acertando um carro com um guarda chuva em 2007, inclusive o mesmo aparece no documentário e dá o seu depoimento, em alguns momentos parece se culpabilizar pelo registro.

A vida dos paparazzis mudam com a chegada do Instagram e as fotos exclusivas passam por uma perda de valor considerável, pois neste novo momento da fotografia e dessa relação com as celebridades, as mesmas produzem o próprio conteúdo e dão acesso aquilo que eles querem dar. As fotos exclusivas, hoje em dia, tem um papel diferente, assim como as abordagens e as formas de acesso da mídia a essas personalidades.

The New York Times / Britney Spears

A conspiração

Talvez esse seja o ponto mais polêmico do documentário. E aí cabe a interpretação de cada telespectador em acreditar ou não no que está sendo defendido pelos fãs. Todo esse movimento começou a partir de duas amigas que perceberam algo de diferente e curioso nas postagens de Britney no Instagram. Segundo as fãs, as postagens e as legendas são bastante curiosas e algumas vezes, fotografia e legenda não parecem estar conectadas. Para discutir isso com o mundo, as fãs criaram um podcast semanal “Britney’s Gram: The Podcast” que avaliam as postagens do Instagram da Britney e foi assim, avaliando essas mensagens que elas criaram o movimento #freebritney.

O fato de Britney ser bastante manipulável é bastante explorado no documentário, há uma negação disso, mas ao mesmo tempo aponta às vezes em que a celebridade esteve em situações ruins devido as más orientações na própria carreira. É de se considerar também que durante o documentário, acontece o que eu chamaria de “uma mistura de realidade e delírio” por parte dos fãs pois é constante algumas associações que na realidade não parecem fazer tanto sentido. Quando os fãs justificam o movimento, sempre retomam o fato de considerar a Britney uma pessoa aprisionada e que não pode se pronunciar e que não tem o controle de suas próprias ações. O que não parece ser verdade se você considerar que ela é uma mulher adulta de 39 anos e a curatela do seu pai dizer respeito apenas as finanças e aos contratos.

Contraditoriamente, e talvez o mais curioso de tudo que circula as questões do #freebritney é considerar que Britney agradece o apoio dos fãs e move processos na justiça para mudar a situação da curatela, e em outro momento nega que haja problemas mais profundos e obscuro que envolvam sua liberdade de se expressar por parte disso. Apesar do pai de Britney ter um papel bastante confuso em sua vida, os problemas que os envolvem não parece diferente do de outras famílias. O que nos leva a pensar que talvez a Britney seja mesmo uma pessoa que faça postagens enigmáticas, talvez seja ela sendo ela e os fãs tendo acesso a uma Britney que até então eles não conheciam.

Apesar de toda polêmica, conspirações e questões mais complexas envolvidas, o que fica mais evidente é o poder de mobilização que a artista mesmo há bastante tempo sem se envolver em trabalhos de marketing ou divulgação de trabalho consegue engajar. A partir do documentário o que mais impressiona é que, mesmo em hiato, há muito barulho envolta de tudo que a personalidade Britney Spears se propõe fazer e até a não fazer, como é o caso. Independente do que esteja acontecendo esperamos que Britney seja livre para se expressar e fazer tudo o que quiser, e que ela possa reverter esta situação terrível.

Assista o documentário “Framing Britney Spears” na Globoplay.

Nota da autora: 90/100

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